A Divina Comédia em poucas palavras

Em nosso último artigo de série “Em poucas palavras” falamos da Odisseia de Homero. Apesar da grandeza do épico grego a Divina Comédia de Dante Alighieri é provavelmente ainda maior. Reconhecida como a maior obra poética já composta, ela possui não só uma beleza literária única, mas também uma profunda essência teológica e filosófica católica. Ao longo de mais de uma década, Dante teceu uma narrativa que nos leva das profundezas do Inferno até as alturas do Paraíso, refletindo sua própria jornada espiritual e a influência duradoura de Santo Tomás de Aquino. Neste artigo, exploramos as camadas ricas de simbolismo e significado que tornam esta obra-prima atemporal uma fonte contínua de inspiração e reflexão.  


Joseph Pearce, Crisis Magazine | Tradução: Equipe Instituto Newman


A Grande Obra de Dante Alighieri

A Divina Comédia é, sem dúvida, o maior poema já escrito. Também é profundamente católico em seu núcleo teológico e filosófico. Seu autor, Dante Alighieri, passou mais de dez anos escrevendo-a, concluindo-a um ano antes de sua morte em 1321. É apropriado, portanto, que celebremos essa que é a mais bela das obras-primas poéticas no 700º aniversário da morte de seu ilustre compositor [1].

A Influência de São Tomás de Aquino

Dante foi um ávido discípulo do Doutor Angélico, Santo Tomás de Aquino, o mais proeminente de todos os teólogos e filósofos católicos, e não é surpresa, portanto, que a presença teológica e filosófica do Aquinate anime o poema do início ao fim. 

O poema é narrado na primeira pessoa pelo próprio Dante, que aparece, por assim dizer, como um personagem em sua própria obra imaginativa. Ele serve como um memento mori, ou, um lembrete da morte, levando o poeta e seus leitores a contemplar as quatro últimas coisas: Morte, Julgamento, Céu e Inferno, (os novíssimos). 

A Jornada de Dante Começa

A comédia começa, simbolicamente, na quinta-feira santa, a noite em que Cristo sofreu sua agonia no Jardim, com o poeta preso no Bosque das Trevas, em meio ao que hoje pode ser chamado de crise da meia-idade. 

Ele não consegue escapar por causa de sua escravidão aos hábitos pecaminosos e é resgatado pelo fantasma de Virgílio (poeta Romano autor da Eneida), que foi enviado pela intercessão da Santíssima Virgem e por intermédio de Santa Lúcia (padroeira dos cegos) e da amada de Dante, Beatriz. Em um sentido importante, Beatriz, a mulher que Dante amava e cuja morte prematura o devastou, é o teste de tornassol espiritual pelo qual o progresso de Dante pode ser medido. Sua ascensão espiritual é acompanhada pela purificação de seu amor por ela.

Descida ao Inferno
O guia de Dante para os sete círculos do Inferno

Virgílio conduz Dante às profundezas do Inferno na manhã da Sexta-feira Santa, permitindo que ele veja as terríveis consequências do pecado sem arrependimento. À medida que eles descem cada vez mais fundo, passando por círculos do Inferno nos quais cada um dos sete pecados capitais é punido. Dante adquire um conhecimento mais profundo da odiosidade do pecado. 

Ele acaba finalmente no próprio poço do Inferno, na presença do próprio Satanás, que está preso miseravelmente em um mar de gelo, faminto e insaciável, devorando as almas condenadas dos piores traidores orgulhosos por toda a eternidade. Simbolicamente, Dante coloca Satanás no centro da Terra, o ponto mais “baixo” que alguém pode cair. Dessa forma ele nos lembra, talvez, da piada de Chesterton de que os anjos podem voar porque se consideram leves, enquanto o diabo cai pela força de sua própria gravidade. 

A Ascenção ao Purgatório

Após chegar ao fundo do poço, Virgílio e Dante sobem em direção à luz distante, emergindo ao pé do Monte Purgatório na manhã do domingo de Páscoa. Como o próprio Senhor e por Seu poder, eles ressuscitaram dos mortos para a terra dos vivos. 

A subida do Monte Purgatório

Dante nos lembra que o Purgatório é a antecâmara do Céu, o local de purificação para os já salvos, colocando o Portão de São Pedro em sua entrada. Guardado por um anjo, e não por São Pedro, que está com o Senhor no Paraíso, o portão é acessado subindo-se três degraus. O primeiro é feito de mármore branco, polido com tal brilho que Dante pode ver seu próprio reflexo nele, o que significa a confissão. O segundo é preto e tem rachaduras tanto longitudinais quanto transversais, de modo que as rachaduras se cruzam, formando a forma de uma cruz, o que significa a contrição. A terceira é vermelha como sangue, significando a satisfação. 

A Purificação no Purgatório

O simbolismo continua quando o anjo faz a marca de sete P’s na testa de Dante, significando os sete pecados capitais (o “P” significa peccatum, a palavra latina para pecado). Cada um desses P’s é removido à medida que Dante sobe pelas várias partes da montanha, nas quais cada um dos sete pecados capitais é purificado. 

Finalmente, no cume do Monte Purgatório, Dante se encontra no Paraíso Terrestre, o Éden pré-lapsariano, o lugar da inocência primordial em que não há mancha de pecado. É lá que Dante finalmente encontra Beatriz e lá que Virgílio se despede, já que ele não pode levar Dante ao Paraíso.

A Ascensão aos Céus
Dante e Beatrice juntos, olhando para os céus mais altos.

Beatriz conduz Dante aos céus, simbolizados pelos planetas e estrelas, onde ele encontra muitos santos. Santo Tomás de Aquino surge como o porta-voz dos sábios, cantando louvores a São Francisco e sua Senhora Pobreza, e São Boaventura se apresenta para louvar São Domingos. 

Desse modo, ao fazer com que um dominicano elogie São Francisco e um franciscano elogie São Domingos, Dante despreza suavemente as tensões entre as ordens dominicana e franciscana que existiam em sua época. No céu, Dante está nos dizendo que todas essas diferenças mundanas serão transfiguradas pelo amor perfeito.

A Visão Beatífica

Mais para cima e mais para dentro, Dante encontra os apóstolos e é examinado por São Pedro na virtude da fé, por São Tiago na virtude da esperança e por São João na virtude do amor. 

Seu amor por Beatriz é purificado em uma consumação celestial, cada um amando o outro ao serem mutuamente consumidos no amor de Deus. Em direção ao clímax celestial, Dante finalmente contempla a beleza da Santíssima Virgem e é transportado pela oração de louvor de São Bernardo a ela. O êxtase do poeta é realizado na própria Visão Beatífica, brilhando em esplendor trino e encarnado, culminando nas linhas finais do poema em homenagem ao amor que move as estrelas. 

O Brilhantismo de Dante

Maurice Baring, um dos homens mais cultos e lidos do século passado, resumiu o brilhantismo da conclusão extática de Dante em A Divina Comédia da seguinte forma:

Ao escalar os círculos do Paradiso, estamos conscientes o tempo todo de uma ascensão não apenas na qualidade da substância, mas também na da forma. É um longo e perpétuo crescendo, aumentando em beleza até a consumação final na última linha. Alguém certa vez definiu um artista… como um homem que sabe como terminar as coisas. Se essa definição for verdadeira — e eu acho que é — então Dante foi o maior artista que já existiu. Seu canto final é o melhor, e ele depende do início e o completa.      

O Tributo de T.S. Eliot

Fazendo eco a Baring, T.S. Eliot comentou que estava tão admirado com o brilho de Dante que sentiu que não havia nada a fazer em sua presença a não ser apontar para ele e permanecer em silêncio. Assim, o maior poeta do século XX homenageia o maior poeta de todos os tempos. Nada mais precisa ser dito. 

Referências 
  1. N.T. – O autor escrevu este artigo em 2021, ano no qual se comemorou o 700º aniversário da morte de Dante Alighieri.

Autor

Joseph Pearce é professor visitante de literatura na Ave Maria University e membro visitante da Thomas More College of Liberal Arts (Merrimack, New Hampshire). Autor de mais de trinta livros, ele é editor da St. Austin Review, editor da série Ignatius Critical Editions, instrutor sênior da Homeschool Connections e colaborador sênior da Imaginative Conservative e da Crisis Magazine. Seu site pessoal é http://www.jpearce.co.

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