Hilaire Belloc e o renascimento cultural católico

Hilaire Belloc foi uma figura central no renascimento cultural católico na Inglaterra, desempenhando um papel crucial na revitalização da presença católica em uma época marcada por perseguições e declínio da fé. Este artigo, traduzido pela Equipe do Instituto Newman e originalmente publicado na Crisis Magazine, examina a influência de Belloc nesse movimento, destacando suas contribuições literárias e apologéticas que ajudaram a moldar o pensamento católico no mundo anglófono. Joseph Pearce, renomado autor e acadêmico, oferece uma visão detalhada sobre a vida e obra de Belloc, situando-o ao lado de outros gigantes literários como G.K. Chesterton, e explorando a importância de suas intervenções na história e cultura católica.

  
Joseph Pearce, Crisis Magazine | Tradução: Equipe Instituto Newman


O Contexto Histórico do Renascimento Católico

Hilaire Belloc ajudou a liderar um reavivamento católico na Inglaterra que foi extremamente influente no crescimento da presença católica na cultura mais ampla.  

Houve uma época, dois séculos atrás, em que a Igreja Católica era lamentavelmente fraca no mundo anglófono. O Império Britânico estava começando a se espalhar pelo globo, difundindo seu credo de filosofia iluminista e utilitarismo. Nos relativamente jovens Estados Unidos da América, a nova nação estava marcada pelo puritanismo de muitos de seus fundadores. 

Era a era da ascendência WASP [1], o aparente triunfo da reforma inglesa em escala global. Quanto à própria Inglaterra, os sitiados católicos ingleses haviam sofrido uma perseguição implacável por três séculos inteiros. Restava apenas um pequeno grupo remanescente de famílias de recusantes, espalhadas por todo o país.

A Reviravolta Histórica e a Emancipação Católica

O cético e o pessimista teriam acreditado que o catolicismo havia sido banido das partes do mundo em que a influência britânica era dominante. À medida que o Império crescia, o catolicismo também diminuía.

Como a história provaria que os céticos e os pessimistas estavam errados!

Na época da emancipação católica na Inglaterra, em 1829, o novo espírito do romantismo havia dado origem a manifestações do neomedievalismo, incluindo o renascimento gótico na arquitetura, a Irmandade Pré-Rafaelita na arte e o Movimento Oxford na Igreja da Inglaterra. Isso anunciou o início de um reavivamento católico fenomenal, que começou na Inglaterra e depois se espalhou por todo o mundo de língua inglesa. 

A Influência de John Henry Newman e o Século XIX

Embora houvesse muitos fatores que influenciaram esse renascimento, inclusive a disseminação da diáspora católica irlandesa após a fome da década de 1840, não há dúvida de que a recepção de John Henry Newman na Igreja em 1845 foi um momento decisivo no renascimento cultural e literário católico que se seguiu. 

No entanto, se a presença gigantesca de Newman presidiu o renascimento no século XIX, a continuação do renascimento no século XX foi liderada por dois gigantes literários, G.K. Chesterton e Hilaire Belloc, ambos extremamente influentes no crescimento da presença católica na cultura mais ampla. Embora muito se possa e deva dizer sobre Chesterton, vamos nos concentrar em Belloc.

A Vida e Formação de Hilaire Belloc

Hilaire Belloc nasceu em La Celle-Saint-Coud, um vilarejo a cerca de 16 quilômetros de Paris, que agora foi engolido pela crescente conurbação parisiense. O ano de seu nascimento, 1870, foi marcado pela Guerra Franco-Prussiana, que forçou sua família a fugir para a Inglaterra, terra natal de sua mãe, como refugiados. Ele permaneceria na Inglaterra pelo resto de sua vida, exceto por um breve período em que serviu no exército francês.

A Ascensão Literária de Belloc

Belloc surgiu no cenário literário no final do século XIX com a publicação de vários volumes de poesia infantil de grande sucesso. No entanto, foi no início do novo século que ele surgiu como um polêmico católico com a publicação, em 1902, de The Path to Rome [O Caminho para Roma]. 

Em 1906, ele escreveu An Open Letter on the Decay of Faith [Carta aberta sobre a decadência da fé] e, dois anos depois, sua palestra sobre The Catholic Church and Historical Truth [A Igreja Católica e a verdade histórica] foi publicada. Outras obras em que Belloc aparece como um defensor da fé incluem The Church and Socialism e Europe and the Faith [A Igreja e o Socialismo e A Europa e a Fé] [2]. 

Os Clássicos Apologéticos de Belloc

No entanto, foi por causa de três livros publicados mais tarde em sua vida que sua reputação como apologista católico se baseia principalmente. Em Survivals and New Arrivals [Sobreviventes e recém-chegados] (1929) e The Great Heresies [As Grandes Heresias] (1938), ele cobre com maestria o cenário intelectual da história, dissecando erros e heresias históricas com a agudeza de uma mente em sintonia com as doutrinas e tradições da Igreja, que, como Chesterton nos lembra, é a única instituição contínua que vem pensando sobre o pensamento há dois mil anos. O terceiro volume desse trio de clássicos católicos, Essays of a Catholic [Ensaios de um católico], foi publicado originalmente em 1931.

Belloc e Chesterton: Mestres do Ensaio

Belloc e Chesterton foram dois dos melhores ensaístas em um período que pode ser considerado a era de ouro do ensaio. Essa forma literária, um tanto fora de moda atualmente, facilita o florescimento da arte da retórica, permitindo que o escritor maximize o impacto de suas palavras, cada uma das quais pode ser usada como uma arma na guerra das palavras. 

Chesterton maneja sua caneta com a rapidez da espada de um esgrimista, deslumbrando o leitor com sua sagacidade, sabedoria e a destreza de seus paradoxos. Belloc, por outro lado, é implacável e sistemático em sua abordagem, percorrendo a paisagem das ideias como um tanque no campo de batalha, esmagando todos os erros que encontra em seu caminho. Por mais que apreciemos a habilidade com as palavras de Chesterton como uma habilidade com a espada, quem não gostaria de pilotar o tanque imparável e irreversível de Belloc?

Outras Contribuições Literárias e Históricas de Belloc

Vamos concluir essa breve pesquisa e apreciação do gênio de Belloc falando de suas muitas outras obras de mérito considerável.

Assim como Chesterton, a outra metade da dupla dinâmica que presidiu o renascimento literário católico, Hilaire Belloc foi um verdadeiro homem de letras; isso quer dizer que ele não se restringiu a um gênero específico, mas se destacou em muitos. Nós nos concentramos em sua importância como controverso, apologista e polemista católico, mas seríamos negligentes se deixássemos de lado sua importância como historiador.

Belloc como Historiador da Reforma

Embora tenha escrito sobre história francesa e história militar, ele é mais lembrado e justamente celebrado como historiador da Reforma, corrigindo a parcialidade e a imprecisão do que ele chamava de “enorme montanha de maldade ignorante” que constituía a “história protestante idiota”. Além de suas obras históricas mais marcantes, como How the Reformation Happened e Characters of the Reformation [Como a Reforma aconteceu e Personagens da Reforma], ele também escreveu biografias de muitas figuras importantes da Reforma Inglesa, incluindo o Cardeal Wolsey, Thomas Cranmer, Charles I, Oliver Cromwell, John Milton e James II.

Referências
  1. Nota do tradutor — WASP ou White Anglo Saxon Protestants são os protestantes anglo-saxões brancos; frequentemente chamados de “antigos imigrantes”. Os WASPs vieram originalmente do norte da Europa, especialmente da Grã-Bretanha, Irlanda, Alemanha e Escandinávia e eram tradicionalmemte considerados grupos privilegiados politica e economicamente. 
  2. N.T. – Infelizmente poucas obras de Belloc foram oficialmente traduzidas para o português. A editora Eclesiae publicou três obras, (O Estado Servil, Como Aconteceu a reforma e As Grandes Heresias) que estão disponíveis em seu site: https://ecclesiae.com.br/index.php?route=product/author&author_id=325 

 

Joseph Pearce é professor visitante de literatura na Ave Maria University e membro visitante da Thomas More College of Liberal Arts (Merrimack, New Hampshire). Autor de mais de trinta livros, ele é editor da St. Austin Review, editor da série Ignatius Critical Editions, instrutor sênior da Homeschool Connections e colaborador sênior da Imaginative Conservative e da Crisis Magazine. Seu site pessoal é http://www.jpearce.co.

 

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