Santo Agostinho e a Linguagem da Escrituras

A abordagem de Santo Agostinho para interpretar as Escrituras é bastante útil para os tempos atuais. O Santo de Hipona admoesta contra a leitura literal e limitada dos textos sagrados, e mostra que a leitura deve ter uma conexão com as experiências humanas universais para expandir a compreensão espiritual do texto.
Christine Norvell, The Imaginative Conservative | Tradução: Equipe Instituto Newman


A Fórmula da Interpretação e a Análise Literária

Nos cursos de ciências humanas, geralmente treinamos os alunos a identificar primeiro a fórmula e o padrão. Listas e exemplos disso são abundantes — simbolismo, alegoria, metáfora, símile, personificação. Insistimos que há um significado maior. Exigimos análise.

É verdade que precisamos estabelecer uma base de termos concretos e de apreciação em nossos alunos. Mas, às vezes, isso faz com que a análise se transforme em uma receita, algo que seguimos em uma ordem específica, o que pode acabar tirando o prazer da leitura. Assim, se não tivermos o devido zelo de cuidar de nosso treinamento, podemos acabar explicando a beleza da linguagem descritiva na história, na literatura e na Bíblia. No século III, Agostinho de Hipona se deparou com o mesmo problema, e não apenas entre seus alunos mais jovens.

A Linguagem Figurada nas Escrituras

Em sua obra, A Doutrina Cristã, Agostinho não via a linguagem figurada como uma fórmula rotineira, mas sim como uma ferramenta adequada que expandia o significado das Sagradas Escrituras. Com grande prazer nas imagens e no equilíbrio da linguagem simples e figurativa, ele argumenta persistentemente contra os “leitores apressados e descuidados” que interpretam a Bíblia de forma literal e unidimensional.

De acordo com Santo Agostinho, os literalistas mencionados no Livro III interpretam as Escrituras “de maneira carnal, em sujeição à carne por uma adesão cega à letra”. É como se eles fossem incapazes de acessar a alma e o espírito dados por Deus para ler e estudar de forma mais profunda, pois estão limitados à mente humana finita. Aparentemente, essa busca humanística era tão desenfreada na época de Agostinho que ele teve de apontá-la como uma prática comum em contraste com sua visão.

O Perigo da Interpretação Literal

Outro ponto de discórdia é que o estudioso literal também pode aceitar como verdade aquilo a que foi exposto nas crenças de sua comunidade ou igreja, “o que é sancionado pelo costume de seus companheiros”. A preocupação de Agostinho, então, era que esses leitores, sem bom senso, se opusessem ao que as Sagradas Escrituras claramente ordenam, especialmente se isso fosse contrário ao ensino geral em seu redor. 

Assim, as Escrituras, nesse ponto, devem ser “figurativas” e, portanto, estes literalistas estariam rejeitando a instrução da Palavra de Deus. Mais uma vez, essa prática literalista limita uma compreensão mais completa da Bíblia, pois restringe  nossa capacidade somente à mente humana: “É certamente uma escravidão miserável da alma tomar sinais por coisas, e ser incapaz de elevar os olhos da mente acima do que é corpóreo e criado, para que possa beber na luz eterna”. 

Reconhecendo o Uso de Metáforas nas Escrituras

À medida que o argumento de Agostinho progride, ele reitera sua discussão sobre sinais e símbolos e propõe várias soluções úteis para aqueles que interpretam mal ou se limitam.

Primeiro, Agostinho pediu aos estudiosos literais que reconhecessem o uso de metáforas e outras figuras de linguagem nas Escrituras. Descrevendo os gramáticos gregos e sua vantagem na compreensão das Escrituras, ele também acrescenta que a maioria dos homens está bem ciente de “todas essas figuras de linguagem… como uma questão de educação liberal” e “discurso comum”. Agostinho supõe que a identificação de coisas como parábolas, alegorias ou enigmas não é apenas comumente estudada, mas também comum no discurso. 

O Equilíbrio entre a Linguagem Simples e Figurativa

Como segundo ponto no Livro II, ele estabelece um equilíbrio entre a linguagem “simples” e descritiva nas Escrituras, reconhecendo seu uso de estilos variados. O exemplo de Agostinho de um único verso dos Cânticos de Salomão ilustra como a imagem de um único símile lhe trouxe “o maior prazer” com uma abundância de pensamento em contraste com uma declaração simples. 

No entanto, a Sagrada Escritura não se baseia apenas em imagens. Agostinho aponta cuidadosamente para esse equilíbrio, onde pode ser “mais agradável em alguns casos ter o conhecimento comunicado por meio de figuras”. Resumindo essa posição, ele diz que o Espírito Santo “com admirável sabedoria e cuidado com nosso bem-estar, organizou as Escrituras Sagradas. E ele o fez de tal forma que as passagens mais simples satisfazem nossa fome e as mais obscuras estimulam nosso apetite”. Claramente, então, seu conselho para o literalista incluiria uma admoestação para se aprofundar em passagens descritivas e trabalhar duro para descobrir o significado.

A Regra de Agostinho para a Interpretação Bíblica

Para o estudioso inexperiente ou literal, Agostinho criou uma regra para iluminar essa mente literal. De acordo com a regra do Santo: se algo na palavra de Deus, interpretado literalmente, não se refere à pureza de vida ou à firmeza da doutrina, deve ser entendido como linguagem figurativa. Trata-se, portanto, de uma escolha do tipo “ou”. Ele nos pede para “revirar cuidadosamente em nossas mentes e meditar sobre o que lemos até encontrarmos uma interpretação que tenda a estabelecer o reino do amor”. Agora, se, quando tomada literalmente, ela imediatamente dá um significado desse tipo, a expressão não deve ser considerada figurativa.

De modo geral, para “enfrentar as objeções” daqueles que discordavam de sua abordagem ao estudo das Escrituras, Agostinho esperava fornecer método e discernimento aos “estudantes sinceros”. Ele nunca afirma entender tudo, mas confia na graça de Deus e a defende.


A Autora

Christine Norvell atua como diretora da Upper School em uma escola clássica no Arkansas. Foi colaboradora sênior do The Imaginative Conservative

 

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