Homero versus Virgílio

Neste artigo, exploramos a relevância dos grandes épicos literários de Homero e Virgílio, analisando como esses textos refletem suas respectivas épocas e revelam verdades que transcendem o tempo. Ao comparar A Ilíada, A Odisseia e A Eneida, o texto nos convida a refletir sobre as lições atemporais de orgulho, sofrimento e providência, enquanto discute o papel desses clássicos na formação da cultura ocidental.   

Joseph Pearce, Crisis Magazine | Tradução: Equipe Instituto Newman


A Relevância dos Épicos Literários para suas Épocas e a Nossa

O que os grandes épicos literários nos dizem sobre as épocas em que foram escritos? E, mais importante ainda, o que esses épicos e épocas nos dizem sobre nossa própria época? Até que ponto os épicos literários são filhos de suas próprias épocas, expressões de seu próprio zeitgeist particular, e até que ponto são expressões de verdades perenes que transcendem modas, modismos e outras efemeridades temporais? Considerar as epopeias de Homero e Virgílio nos permitirá entender essas questões e avançar na direção de respondê-las.

Como Homero nos diz nas linhas iniciais de A Ilíada, seu tema é o orgulho e a raiva de Aquiles e as consequências destrutivas e devastadoras dessa raiva orgulhosa. Em outras palavras, no nível mais básico, o orgulho precede a queda. No entanto, Homero vai muito além disso. Ele mostra que o orgulho destrói e devasta a vida dos inocentes. Não é apenas o pecador que sofre as consequências do pecado, ele também inflige sofrimento aos outros com cada ato de orgulho. O orgulho não apenas precede a queda, ele faz vítimas inocentes.

A Mão da Providência em Homero: Pecado e Sofrimento

E Homero vai ainda mais fundo. Ele nos diz, logo no início de A Ilíada, imediatamente após nos informar que seu tema é o orgulho de Aquiles e suas consequências destrutivas, que a vontade de Zeus é cumprida. Em outras palavras, a mão da providência acaba triunfando sobre o orgulho na maneira pela qual Deus pune o pecador com as consequências de seu pecado. Mas o que devemos fazer com as vítimas inocentes? É da vontade de Deus que elas sofram os efeitos dos pecados dos outros?

Essas questões são abordadas em outro épico de Homero, A Odisseia. No início desse épico, Zeus afirma que os homens estão sempre culpando os deuses pelo sofrimento em suas vidas, enquanto o sofrimento é causado por sua própria imprudência, com exceção do sofrimento que é “dado”. Em outras palavras, o sofrimento pode ser causado pelo pecado ou pode ser uma dádiva. O restante de A Odisseia é uma representação da exposição de Homero sobre o mistério do sofrimento, ou o que C.S. Lewis chamou de “o problema da dor”. Odisseu e seus homens sofrem muito com as consequências de sua própria imprudência; mas, no caso de Odisseu, ele aprende que o sofrimento é uma dádiva que deve ser aceita e até mesmo abraçada como um meio de crescer em sabedoria e humildade.

Virgílio e a Eneida: Um Poema a Serviço do Império Romano

O épico de Virgílio, A Eneida, foi escrito de vinte a trinta anos antes do nascimento de Cristo e cerca de 800 anos depois que Homero escreveu A Ilíada e A Odisseia. Ao contrário das obras de Homero, que abordam verdades perenes que transcendem os modismos e as modas da época em que foram escritas, Virgílio aparentemente estava cumprindo as ordens de seus mestres políticos, especialmente o imperador romano César Augusto. A Eneida é um poema patriótico, que exalta as glórias da Roma imperial. É, portanto, um filho da época em que foi escrito, em um grau que é muito menor no caso dos épicos homéricos. Estava inacabado na época da morte de Virgílio, e seu último desejo foi que o poema fosse destruído. Parece, portanto, que Virgílio estava insatisfeito com ele.

Por que isso aconteceu? É claro que é difícil saber a resposta para essa pergunta enigmática. Uma possível resposta é que Virgílio não se sentia à vontade para ser o poeta laureado de fato da Roma imperial. Talvez ele sentisse que estava traindo sua Musa ao escrever uma obra patriótica, presumivelmente a mando de César, que glorificava Roma como a potência imperial dominante no mundo. 

O Legado de Virgílio e a Importância da Eneida para a Posteridade

Embora não possamos saber os motivos da aparente aversão de Virgílio à sua própria epopeia, podemos pelo menos ficar felizes pelo fato de seu desejo final não ter sido realizado. Podemos agradecer ao próprio César por ter preservado a Eneida para a posteridade, pois foi ele quem proibiu sua destruição e ordenou sua publicação. Ao fazer isso, ele nos deu os frutos do gênio de Virgílio. Sem sua intervenção oportuna, não teríamos a descrição de Virgílio da trágica paixão de Enéias e Dido, os “prisioneiros da luxúria” que abandonaram suas responsabilidades para se entregarem à autogratificação erótica.

Também estaríamos desprovidos da visão da vida após a morte, na qual Virgílio dá corpo, ou pelo menos tons de cor, às reflexões teológicas de Homero sobre o julgamento dos mortos. Essas reflexões inspirariam o próprio épico de Dante, A Divina Comédia, sem o qual todos nós seríamos muito mais pobres.

Comparando Homero e Virgílio

Voltando às nossas perguntas originais, podemos concluir que as epopeias de Homero nos dizem menos sobre a época em que foram escritas do que as de Virgílio, que é um produto de seu próprio tempo. Nesse sentido, na medida em que as obras de Homero são menos filhas de seu próprio tempo e na medida em que transcendem a expressão de qualquer zeitgeist em particular, brilhando com verdades perenes, é tentador julgar Homero como superior a Virgílio. Como, no entanto, os três épicos não são para uma época, mas para todas as épocas, assim só um um juiz insensato sucumbiria à tentação de julgar. Como o presente autor não é tolo o suficiente para se precipitar onde juízes mais sábios temem pisar, ele simplesmente confessará a tentação sem sucumbir a ela. 


O Autor

Joseph Pearce é professor visitante de literatura na Ave Maria University e membro visitante da Thomas More College of Liberal Arts (Merrimack, New Hampshire). Autor de mais de trinta livros, ele é editor da St. Austin Review, editor da série Ignatius Critical Editions, instrutor sênior da Homeschool Connections e colaborador sênior da Imaginative Conservative e da Crisis Magazine. Seu site pessoal é http://www.jpearce.co.

 

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