A Humildade de Maria

A humildade de Maria é um tema profundo e inspirador, refletido ao longo das Escrituras e na tradição da Igreja. Neste artigo, Jonathan Coe explora como a Mãe de Deus encarna essa virtude, tornando-se um modelo para todos os cristãos. A partir de sua própria experiência de conversão ao catolicismo, o autor conduz o leitor a uma reflexão sobre a presença discreta, porém essencial, de Maria no plano divino. Seu exemplo nos convida a redescobrir a humildade como caminho para a graça e para uma vida de verdadeira entrega a Deus. 
Jonathan Coe, The Imaginative Conservative  | Tradução: Equipe Instituto Newman


O Obstáculo à Conversão

Cerca de um ano antes de ser admitido na Igreja Católica, em 2004, o maior obstáculo à conversão para mim, um protestante que andava em círculos evangélicos e carismáticos, não eram as doutrinas marianas da Igreja, mas as posições políticas e econômicas de muitos dos bispos, que pareciam estar, exceto por suas posições sobre o aborto e o “casamento” entre pessoas do mesmo sexo, em estreita concordância com a plataforma do partido democrata [1].

Não, eu aceitei prontamente o ensinamento sobre Maria porque primeiramente eu sabia que a Theotokos (Mãe de Deus) teria de ser muito especial, muito parecida com uma Arca da Aliança enfeitiçada; e em segundo lugar, eu tinha passado a acreditar em tradições orais na Igreja que foram transmitidas ao longo dos tempos e que poderiam aprimorar e complementar meu entendimento bíblico da identidade e do papel da Portadora de Deus: “Assim, pois, irmãos, permanecei firmes e retende as tradições que vos foram ensinadas por nós, seja por palavra, seja por carta” (2Ts 2, 15).

O Silêncio que Revela a Santidade

Como novo católico e como alguém que veio de uma tradição em que a imersão no estudo das Escrituras era um dado adquirido, uma rápida olhada no Novo Testamento me fez desejar que houvesse muito mais referências a Maria. Ao contrário de Pedro, Tiago, João e Paulo, mas como seu Filho, ela não deixou escritos e, como o filho de sua prima Isabel (João Batista), ela não fez nenhum milagre poderoso durante sua peregrinação terrena.

Maria: Ícone da Humildade

Estudos e meditações mais aprofundados, desde aqueles primeiros dias, renderam muitos tesouros de sabedoria e conhecimento da narrativa bíblica, mas também percebi que seu perfil mais silencioso e nos bastidores do Novo Testamento (exceto em Apocalipse, capítulo 12) faz parte de sua santidade: Ela é, de fato, o ícone do sacerdote missionário desconhecido em um afluente de um afluente do rio Amazonas; da dona de casa e da mãe que cumpre com seriedade seus deveres diários na obscuridade; e do funcionário esforçado cujos trabalhos passam despercebidos, embora possibilitem que outra pessoa desfrute dos holofotes.

Acho que deve ter sido William Bennett quem disse que algumas pessoas são famosas sem serem importantes, enquanto muitas outras são importantes sem serem famosas. Maria tornou-se ambos.

A Humildade como Fonte de Graça

Nos últimos anos, ao mergulhar nos ditos e na vida dos Padres do deserto, percebi que eles eram como pérolas individuais conectadas a um fio: a humildade. De fato, Abba Or disse: “A coroa do monge é a humildade”.

O mesmo pode ser dito de todas as referências bíblicas à Mãe de Deus. Desde a Anunciação até a Apresentação, desde as Bodas de Caná até o cenáculo em Atos 1 e 2, sua vida é sustentada e impregnada de humildade.

Há uma certa congruência teológica aqui porque, como alguém que é cheio de graça, sabemos que ela também deve ser cheia de humildade porque Deus se opõe aos soberbos, mas dá graça aos humildes (cf. Tg 4, 6). Ela tem o mesmo coração de seu Filho: como ressalta o protestante britânico Roy Hession, a plenitude do Espírito da Graça (cf. Hb 10, 29) desceu e encheu o manso e humilde Cordeiro de Deus (cf. Jo 1, 32).

A humildade é um ímã para a graça

Maria estava cheia de graça porque também estava cheia do Espírito Santo e de humildade. Tudo isso faz parte de uma só peça e, como Cristo disse a Santa Faustina ao revelar os mistérios da Divina Misericórdia, “as almas mansas e humildes e as almas das criancinhas… são as que mais se assemelham ao meu coração”.

É por isso que as passagens bíblicas sobre Maria estão impregnadas de uma inegável e radiante “beleza da alma” ou “beleza da santidade” (Sl 27, 4; 96, 9), um tipo de estética moral e espiritual perfumada que aponta e engrandece seu Filho: o coração dela é o coração dele e vice-versa. O que passa por beleza nesse vale de lágrimas, em comparação, é exposto como efêmero e meretrício, mas somente os olhos dos verdadeiramente humildes verão isso.

A Obediência de Maria

São Tiago diz a seu público para “receber com mansidão a palavra implantada, que é capaz de salvar as vossas almas” (Tg 1, 21). Na Anunciação (Lc 1, 26-38), Maria recebe humildemente a palavra falada de Deus por meio de Gabriel de que ela estaria recebendo a Palavra de Deus em seu ventre.

A diferença entre a resposta dela a Gabriel e a de Zacarias (Lc 1, 20) é a humildade. Zacarias, como Eva no capítulo 3, versículo 6 do Gênesis, apoiou-se em seu próprio entendimento, enquanto Maria, embora compreensivelmente tenha demorado um pouco para se orientar (“Como será isso, já que não conheço homem?”), acabou proclamando sua obediência como serva do Senhor.

A Palavra de Deus Formada em Nós

Há uma bela imagem aqui para os católicos praticantes. Recebemos a palavra de Deus por meio de uma metanarrativa divina (Escritura, Tradição e Magistério), ao nos valermos de uma vida sacramental e ao abraçarmos as disciplinas espirituais.

Ao mesmo tempo, Cristo, a Palavra de Deus, está sendo formado em nós (cf. Gl 4, 19). O primeiro, a palavra de Deus, é como todos os melhores alimentos para uma gravidez (por exemplo, salmão, grãos integrais, verduras de folhas escuras, batata doce, frutas e vegetais coloridos, carnes magras etc.) que produzem uma saúde robusta na Palavra de Deus, ou seja, no bebê em desenvolvimento.

A analogia traz implicações sérias para o católico “cafona” e heterodoxo e nos faz pensar em quantos “bebês crack” nascem quando as pessoas seguem seu próprio caminho e se acomodam ao Zeitgeist. Em comparação, isso nos faz lembrar de Maria e José na apresentação de Cristo: “E, havendo feito tudo conforme a lei do Senhor, voltaram para a Galileia, para a sua cidade, Nazaré” (Lc 2, 39).

Maria e José: Modelo de Vida Religiosa

Nós nos tornamos uma cultura terapêutica que descarta os três Rs (rotina, ritual e religião: “Não sou religioso; sou espiritual”), enquanto Maria e José, ao contrário, obviamente abraçaram todos os três. (Como um bônus adicional a isso, estudos parecem indicar que quanto mais religioso você é, em geral, mais feliz você é).

As últimas palavras e a última aparição da Mãe de Deus no Novo Testamento deste lado da eternidade também revelam a mesma humilde obediência ao seu Filho. Suas últimas palavras na narrativa bíblica do casamento em Caná são: “Façam tudo o que ele lhes disser” (Jo 2, 5).

Em sua última aparição terrena em Atos, capítulo 1, versículo 16, ela está lá com os outros seguidores de Cristo no cenáculo esperando a promessa do Espírito Santo, porque foi isso que Cristo ordenou que seus seguidores fizessem. Sua profunda humildade é demonstrada no fato de que ela já estava cheia do Espírito Santo, mas, como seu Filho, em seu batismo por João, ela estava presente “para cumprir toda a justiça”.

Enquanto Eva tirou Deus do trono e fez de si mesma o árbitro da verdade e da moralidade, Maria, a nova Eva, submeteu-se às diretrizes divinas. O católico praticante de hoje não deve dar ouvidos às vozes dos filhos de Eva no Ocidente, que incentivam as pessoas a “seguir seu coração”, abraçar a “sua verdade” e ouvir, como aconselha Elizabeth Gilbert, “o deus interior” — que na verdade significa alimentar uma autonomia maligna.

O serviço de Maria 

O próprio Cristo disse que veio para servir e não para ser servido e deixou um legado do maior servindo ao menor em seu lava-pés dos doze discípulos, em sua crucificação e em sua intercessão por nós no céu como nosso misericordioso Sumo Sacerdote. Vemos essa profunda humildade do maior servindo ao menor na visita e no serviço de Maria a Isabel, em sua intervenção no casamento em Caná quando o anfitrião ficou sem vinho, em seu relacionamento maternal com São João e em sua intercessão no céu pelos fiéis na Terra.

As bodas de Caná fornecem um maravilhoso retrato do que acontece no avanço do reino de Deus desde que a Theotokos foi assumida. Nas Escrituras, o vinho às vezes representa a plenitude do Espírito Santo (cf. Ef 5, 18; At 2, 13) e todos nós chegamos a momentos em nossas vidas em que o vinho acaba.

Os casamentos secam, as amizades se dessecam, as vocações perdem a vitalidade, nossa vida espiritual se torna um deserto, uma falha moral pode até mesmo entristecer o Espírito Santo em nossa vida. É nesse momento que a maior de todas (Maria) pode servir aos menores (nós), ouvindo nossas orações e apelando a seu filho para substituir nossa desolação por consolo.

A Ingratidão de Israel e a Humildade de Maria

Diz-se, com razão, que Maria foi bem-sucedida onde Eva (e Adão) falhou, mas o mesmo poderia ser dito da nação de Israel. Descobrimos muito sobre a humildade de alguém quando seu conforto e conveniência são desafiados e surgem reclamações crônicas que enviam a mensagem de que “sou maravilhoso e especial demais para ter de suportar tal desconforto e inconveniência”.

Vemos essa dinâmica com a nação de Israel em sua jornada pelo deserto do pecado. Quer estejam com muito calor ou muito frio, quer não consigam encontrar água e tenham sede, quer estejam enjoados de comer o maná que cai do céu todas as manhãs, quer estejam irritados com a autoridade de Moisés, a ingratidão é a marca registrada de suas vidas.

Não vemos nada disso na vida de Maria, apesar de todas as aflições que ela sofreu (por exemplo, fuga para o Egito, dar à luz em uma manjedoura), culminando em suas tristezas aos pés da cruz. Em vez disso, ela parece transformar todas as suas humilhações em humildade.

Transformando Provações em Santidade

Borras de café, cascas de ovos e outros itens de lixo foram jogados no jardim de Maria, mas, com o tempo, foram transformados em uma colheita abundante da mais alta qualidade: amor, alegria, paz, paciência, bondade, generosidade, fidelidade, mansidão e autocontrole (cf. Gl 5, 22-23). Ela é como o bicho-da-seda que come as folhas da amoreira: as folhas representam tudo o que aconteceu com ela e que depois é convertido em um dos melhores tecidos do mundo.


Referências
  1. N.T.: O partido democrata nos Estados Unidos representa os interesses da esquerda.   

 

 O Autor

Jonathan Coe é formado pelo Bethel Theological Seminary em St. Paul, Minnesota. Paul, Minnesota. Antes de ser recebido na Igreja Católica em 2004, atuou no ministério pastoral na zona rural do Alasca e no ministério do campus da Universidade de Minnesota, em Minneapolis. O Sr. Coe tem sido um colaborador frequente da Crisis Magazine e escreveu para o Catholic Exchange. 

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