A piedade, uma virtude essencial na cultura romana antiga, desempenha um papel central na educação clássica cristã. A partir do exemplo de Enéias, que salvou sua família da destruição de Troia, Clark e Jain defendem que a piedade não é apenas respeito pelo passado, mas o alicerce para a transmissão cultural e a formação intelectual. No entanto, o homem moderno perdeu esse senso de dever e reverência, priorizando o presente em detrimento da tradição. Neste artigo, exploramos a importância da piedade na educação clássica cristã e por que sua recuperação é fundamental para a formação das novas gerações.
Greg Dawson, Knox Academy | Tradução: Equipe Instituto Newman
Um Exemplo de Piedade
Enquanto a poderosa cidade de Tróia queimava e estava “se acomodando em suas brasas”, Enéias observava do alto de um telhado, onde acabara de testemunhar o massacre do rei Príamo, e começou a se preocupar com seu pai e o resto de sua família. Fugir da cidade e começar de novo parecia ser a única opção. Ele sabia que o tempo estava se esvaindo rapidamente. A cidade inteira logo seria saqueada e todos os que estivessem dentro dela seriam mortos ou escravizados. Continuar lutando seria inútil.
Ao reconhecer essa futilidade, Enéias correu para a casa de sua família, fugindo do inimigo grego que estava dominando a cidade, e chegou lá para encontrar sua família ainda viva. Enéias, vendo seu pai debilitado, disse-lhe: “Então venha, querido pai, suba em meus ombros! Eu o carregarei em minhas costas. Este trabalho de amor nunca me cansará”. Enéias conseguiu resgatar seu pai e seu filho junto com “multidões de novos companheiros”. Esses sobreviventes zarparam das praias de Troia, e Enéias acabaria cumprindo seu destino como antepassado dos romanos.
A Piedade na Roma Antiga
Esse episódio, contado na Eneida pelo poeta romano Virgílio, exemplifica uma importante virtude na Roma antiga: a piedade. Enéias é famoso por sua piedade. Virgílio usou o adjetivo piedoso como um dos epítetos de Enéias. A piedade, de fato, tem sido uma virtude na maioria das culturas ao longo da história.
O Fundamento da Educação Clássica Cristã
No entanto, a piedade tem um som estranho para nossos ouvidos modernos. Apesar disso, ela é vital para a educação clássica cristã. Em seu livro “The Liberal Arts Tradition” (A Tradição das Artes Liberais), os autores Kevin Clark e Ravi Scott Jain colocam a piedade como o fundamento da educação clássica cristã. Segundo os autores, ela levará a um estudo das sete artes liberais, que constituem o núcleo do currículo clássico. Essas artes liberais incluem o Trivium, ou gramática, dialeto e retórica, e o Quadrivium, ou aritmética, geometria, astronomia e música.
A Piedade e a Transmissão Cultural
Mas, como Clark e Jain argumentam em seu livro, “as sete artes liberais nunca foram concebidas para se manterem sozinhas como o currículo completo”. O currículo, de fato, é composto de vários outros elementos além das sete artes liberais. A educação, segundo eles, deve começar com a piedade, juntamente com a ginástica e a música, continuar com as sete artes liberais e culminar com a filosofia e a teologia. Seu útil, embora desajeitado, acrônimo PGMAFT (piedade, ginástica, música, artes liberais, filosofia e teologia) resume esse paradigma.
A Visão Cristã da Piedade
A piedade, portanto, é onde a educação clássica cristã começa. Clark e Jain admitem que a palavra “piedade” não tem uma definição simples, mas como descrição inicial, eles dizem que a piedade “significa o dever, o amor e o respeito devidos a Deus, aos pais e às autoridades comunitárias do passado e do presente”. Embora a piedade, como demonstrada por Enéias, fosse certamente importante para os antigos romanos, essa virtude tem sido fundamental para muitas outras culturas ao longo da história humana. Importante porque respeitar a cultura e passá-la para a próxima geração preservou a cultura.
No cristianismo, teólogos como Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino e o protestante João Calvino, entre muitos outros listados por Clark e Jain, defenderam a importância da piedade na vida do crente. Tomando o pensamento desses teólogos, Clark e Jain chegam a uma definição um pouco mais precisa de piedade: “o amor e o temor adequados a Deus e ao homem”, que, como eles apontam, devem ser reconhecidos como alinhados com os dois maiores mandamentos articulados por Jesus. Qualquer entendimento de piedade, no entanto, está perdido para o homem moderno.
A Perda da Piedade
Clark e Jain iniciam seu capítulo sobre piedade com uma citação de Richard Weaver, extraída de seu importante livro “Ideas Have Consequences” (Ideias têm consequências), de 1948. Weaver descreve o homem moderno como sendo “ímpio”. Ele pegou “em armas contra, e efetivamente matou, o que os homens anteriores consideravam com veneração filial”. O homem moderno considera essa destruição “como prova de virtude”. Clark e Jain relacionam essa falta de piedade ao pensamento revolucionário que se tornou mais proeminente na era moderna. Essa maneira de pensar, ou “prazer em matar o passado”, enfatiza o presente em detrimento do passado.
A Revolução Contra o Passado
A história nos deu revoluções que alteraram nações, como a francesa e a bolchevique, mas também nos deu uma série interminável de revoluções menores. Houve muitos exemplos desse tipo nos Estados Unidos, tanto na história recente quanto na antiga. Essas forças revolucionárias buscam minar a virtude da piedade e, em vez disso, colocam o foco principal no eu e no presente. Em contraste com essa perspectiva, Weaver define a piedade como “uma disciplina da vontade por meio do respeito. Ela admite o direito à existência de coisas maiores do que o ego, de coisas diferentes do ego”.
Honrando o Passado e Construindo o Futuro
Enéias tinha respeito pelas coisas maiores do que seu ego. Por causa disso, ele é conhecido principalmente como o piedoso. No entanto, ele tem um segundo epíteto que Virgílio lhe atribuiu em sua epopeia: pai. É notável que, enquanto Enéias carregava seu pai nos ombros para fora de Troia, ele conduzia seu filho Ascânio pela mão. Ao carregar seu pai, ele estava honrando o passado. Ao conduzir seu filho, ele estava preservando seu futuro. Afinal, ele acabaria sendo considerado o pai de Roma. A cultura de seu pai seria passada por ele mesmo para seu filho e para uma nova nação.
A Educação Clássica Cristã e o Papel da Piedade
Clark e Jain, voltando-se para o antigo conceito grego de Paideia, observam a importância educacional da transmissão da cultura: “A forma como uma geração pode passar sua cultura para a próxima compreende a questão central da educação.” É nesse ponto que as escolas clássicas cristãs têm um papel vital a desempenhar. Como Clark e Jain apontam, “a piedade é o princípio central da educação clássica cristã”. Em suas palavras finais deste capítulo, Clark e Jain afirmam: “Uma educação clássica cristã deve ser fundamentada na piedade”.
O Autor
Greg Dawson é professor na Knox Classical Academy.