A natureza salvadora de uma educação liberal (Parte 2)

, No segundo artigo da série “A natureza salvadora de uma educação liberal”, Ashley G. Miller continua sua exploração sobre o poder transformador da leitura na sociedade contemporânea. Destacando a importância fundamental da leitura na busca da verdade, Miller examina ainda mais os benefícios emocionais e sociais dessa prática, além de sua relevância dentro do contexto cristão. Esta continuação promete aprofundar nossa compreensão sobre como os livros não apenas enriquecem nossa vida intelectual, mas também moldam nossa visão de mundo e alimentam nossa alma. Prepare-se para mergulhar mais fundo nessa reflexão vital.   
Ashley G. Miller, Crisis Magazine | Tradução: Equipe Instituto Newman


Mudanças na demanda do mercado de trabalho

Em uma entrevista televisionada nacionalmente em fevereiro de 2017, Mark Cuban, o investidor milionário, proprietário do Dallas Mavericks e apresentador do Shark Tank, incentivou mais pessoas a se formarem em artes liberais. Ele explicou que a natureza da força de trabalho está mudando devido ao avanço da tecnologia; com a automação, em breve haverá pouca coisa para as pessoas com diplomas técnicos fazerem que um computador não possa fazer melhor e mais facilmente. Cuban disse: 

Pessoalmente, acho que daqui a 10 anos haverá uma demanda maior por graduados em artes liberais do que por graduados em programação e talvez até mesmo em engenharia, porque quando os dados são todos exibidos para você, as opções são exibidas para você, você precisa de uma perspectiva diferente para ter uma visão diferente dos dados… alguém que tenha um pensamento mais livre. 

Estudar artes liberais pode, de fato, proporcionar mais segurança no emprego do que proezas técnicas. Principalmente, à medida que avançamos cada vez mais em direção a uma força de trabalho automatizada.

A necessidade de habilidades de comunicação

George Anders aponta que as empresas de tecnologia já estão percebendo sua necessidade de ter mais pessoas com formação em artes liberais do que pessoas com foco em STEM. Em um artigo intitulado “That ‘Useless’ Liberal Arts Degree Has Become Tech’s Hottest Ticket”, publicado na revista Forbes, Anders detalha várias empresas de tecnologia bem-sucedidas no Vale do Silício e suas práticas de contratação. 

Uma empresa, a OpenTable, emprega 14 pessoas para administrar todos os seus aspectos tecnológicos e 137 pessoas que não têm conhecimento técnico. Anders explica como esse grupo, liderado por um graduado em inglês, possui habilidades de comunicação, habilidades pessoais e uma mentalidade criativa que os cientistas de dados não possuem. Há utilidade profissional nas habilidades que uma educação em artes liberais proporciona, e essa utilidade está aumentando à medida que mais empregadores reconhecem que “a criatividade não pode ser programada”.

Leitura e maturidade emocional

Há uma utilidade pessoal e social em ser um bom leitor, além da que diz respeito à força de trabalho. Um leitor engajado atinge a maturidade emocional e a compreensão do mundo com muito mais rapidez e eficácia do que uma pessoa que não lê ou lê pouco. Toda experiência de leitura é uma experiência – uma experiência de como a humanidade tem agido e como os seres humanos tendem a reagir, o que prepara uma pessoa para enfrentar os desafios do mundo. D. H. Lawrence escreveu para Arthur McLeod: “A pessoa se livra de sua doença nos livros, repete e apresenta novamente suas emoções para dominá-las”. 

A catarse emocional e a leitura

A catarse, uma espécie de limpeza emocional, sempre foi o domínio da arte. Em uma época em que nossos jovens são medicados para o bem-estar emocional, mais do que nunca, e clamam por espaços seguros, eles devem recorrer a livros para obter saúde emocional. Especialmente livros que ensinem a experiência da humanidade — como romances, peças de teatro, tragédias, poemas, histórias, filosofias e psicologias.

Na verdade, a leitura de qualquer assunto dentro das artes liberais ensina sobre a condição humana e como uma pessoa se encaixa na sociedade humana. Um romance cativante não apenas proporciona uma emoção divertida, mas também um panorama da experiência e da emoção humanas. Assim, os livros proporcionam utilidade emocional e preparação para participar da sociedade humana.

Os Benefícios Científicos da Leitura

Estudos científicos comprovam que a leitura, especialmente a leitura de ficção literária, promove a empatia e a habilidade social. Um estudo de 2013 descobriu que “a ficção literária melhora a capacidade do leitor de entender o que os outros estão pensando e sentindo”.  Além disso, “a leitura de ficção é uma valiosa influência de socialização”. Outro estudo publicado em 2005 por cinco psicólogos no Journal of Research in Personality concluiu que “a compreensão de personagens em uma narrativa de ficção parece ser paralela à compreensão de colegas no mundo real… Leitores frequentes de ficção podem, portanto, reforçar ou manter suas habilidades sociais”. 

Empatia e habilidades sociais através da leitura

Um artigo da Reader’s Digest, intitulado “Can Reading Fiction Actually Make You a Better Person?”, declara que “ler ficção literalmente torna você mais empático na vida real”. Há inúmeros exemplos dos benefícios emocionais e sociais que os leitores possuem. A leitura não transforma uma pessoa em um ermitão socialmente desajeitado e tímido, como um estereótipo nos faz acreditar, mas cria uma pessoa perspicaz, empática e socialmente consciente.

Lições dos Clássicos

Ora, leia Sócrates e Platão para perceber que a humanidade tem se perguntado o que significa ser humano desde que somos humanos. E leia sobre Páris e Helena para saber até onde os homens vão para servir ao amor ou à raiva da traição, ou sobre Aquiles para ver o perigo do orgulho. Leia Jane Eyre para ver que, mesmo em meio ao amor verdadeiro, mesmo quando ele arruinará sua vida, você pode fazer a escolha certa, suportar a miséria e depois encontrar a felicidade novamente. 

Também leia sobre os erros que as pessoas cometeram ao longo da história e que levaram a guerras e sofrimento, e sobre as ações nobres que somos capazes de realizar para corrigir erros. Por fim, leia T.S. Eliot para ver o que há de terrivelmente errado na cultura moderna e C.S. Lewis para ver que ainda há beleza e esperança. Ler, seja ficção ou não ficção, é vivenciar a verdade da humanidade.

A Necessidade da Verdade em Tempos de Relativismo

Os livros são capazes de ensinar essa experiência porque os grandes livros oferecem a verdade. Como as artes liberais podem reivindicar a busca da verdade contra as disciplinas mais baseadas em fatos da matemática, ciência, medicina, engenharia e tecnologia? Porque as verdades das artes liberais não são tão concretas ou fáceis de adivinhar como a verdade do que é uma soma ou como uma célula se divide. As verdades das artes liberais fazem e respondem às perguntas sobre quem somos como seres humanos — não apenas de onde viemos, mas por quê? 

Como nos relacionamos uns com os outros? Como podemos entender e lidar com a presença de coisas como o sofrimento indescritível e a alegria indescritível em nossas vidas? Em um mundo assolado pelo relativismo, pela dúvida, pelo escândalo e pelo ídolo da gratificação instantânea, onde está o lugar para a busca da verdade por ela mesma? Precisamos muito da liberdade, do conforto e da satisfação que a verdade traz — as verdades sobre quem somos, como devemos tratar uns aos outros e o que significa estar vivo.

A Experiência da Verdade e a Liberdade

A liberdade que muitos alegam como defesa das artes liberais é, acredito, um subproduto da experiência da verdade. A experiência de quem somos como seres humanos, o que queremos, como nos sentimos, como podemos superar grandes dificuldades para enfrentar o que parecem ser os desafios mais insuperáveis e como podemos lidar com a verdade de que, em meio a toda a nossa grandeza, há também grande maldade, fraqueza e perigo — essas são as experiências que nos fazem entender e abraçar nossos poderes de livre arbítrio, perdão e perseverança. Essas são as experiências que encontramos ao ler sobre nossa história e nossa arte.

Perguntas Fundamentais sobre o Propósito da Vida

Quando buscamos a verdade por meio da leitura da humanidade, somos necessariamente levados a fazer perguntas mais amplas sobre o propósito da vida. McClay, em sua defesa das artes liberais, explica como as respostas a essas perguntas são muito mais valiosas do que o sucesso material: 

Mais cedo ou mais tarde, as pessoas fazem um balanço da vida e se perguntam para que ela serve — e devemos prepará-las para responder. Não importa o quanto sejamos bem-sucedidos, nenhum de nós pode escapar dessa pergunta, assim como não podemos escapar das perguntas sobre como viver, como entender o mundo ou como organizar nossa sociedade. A pessoa com um emprego bem-sucedido e uma bela casa ainda será, um dia, chamada a prestar contas de si mesma. 

Dessa forma, uma educação em artes liberais pode fornecer a resposta a essas perguntas. Pois elas são o estudo da verdade sobre o que significa ser humano.

Artes liberais e a Busca da Verdade

Ora, a busca da verdade pertence às ciências humanas. Ela pertence ainda mais particularmente ao modo de vida cristão — Jesus é a Verdade, o Caminho e a Vida. A verdade é de suma importância para todo cristão que busca sua fé, e o Catecismo da Igreja Católica explica que:

Deus é a fonte de toda a verdade. Sua Palavra é a verdade. Sua Lei é a verdade. Sua ‘fidelidade perdura por todas as gerações’. Como Deus é ‘verdadeiro’, os membros de seu povo são chamados a viver na verdade” (2465).

A vocação de todos os que seguem Cristo é viver na, para e da verdade.

A leitura como caminho para a salvação

Assim, as artes liberais e o cristianismo compartilham uma busca mútua da verdade, e um estudo pode levar ao outro. McClay explica: “Uma educação liberal séria liberta o aluno e forma a alma, e incentiva a busca da verdade como um fim em si mesmo”.

Minha própria compreensão da humanidade e da necessidade humana de salvação baseia-se mais em toda a minha experiência adquirida com a leitura sobre as pessoas e suas emoções, quedas, reações, coragem e tenacidade ao longo da história do que nos fatos expostos em uma aula de catecismo. Ler sobre a humanidade nos leva primeiro à verdade de que a salvação é necessária, e também às perguntas e respostas sobre como alcançá-la. O Catecismo da Igreja Católica explica a arte como uma bela experiência da verdade: 

Nascida do talento dado pelo Criador e do esforço do próprio homem, a arte é uma forma de sabedoria prática, unindo conhecimento e habilidade, para dar forma à verdade da realidade em uma linguagem acessível à visão ou à audição (2501). 

A Educação Liberal e a Mente Cristã

A arte (nesse caso, os livros) proporciona à humanidade uma visão de sua própria realidade. Essa realidade contém necessária e intrinsecamente a necessidade de salvação e a busca da verdade suprema — Deus.

Talvez uma educação liberal seja mais adequada à mente cristã, pois ela já busca a verdade. Assim, uma educação liberal leva a uma mente cristã, pois busca a verdade do que significa ser humano. Uma educação cristã é uma educação liberal. O declínio dos princípios cristãos e o declínio da popularidade das artes liberais andam de mãos dadas. O cristianismo e os grandes livros compartilham os objetivos da liberdade, da compreensão da condição humana e, em última análise, da verdade.

A Utilidade das Artes Liberais

Portanto, a verdade é que uma educação liberal é muito mais útil do que entendem aqueles que a desprezam. Pois, ela, de fato, tem utilidade profissional e pessoal. E, no clima atual, que enfatiza o contato com as emoções, não há maneira melhor, mais verdadeira ou salvadora de fazer isso do que ler. E é divertido.


 

Autora

Ashley G. Miller obteve o título de Mestre em Literatura Inglesa pela Universidade de Dallas e, depois de anos lecionando inglês em escolas católicas de ensino médio, agora é editora e escritora freelancer.

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