Em suas últimas palavras antes de ascender aos Céus de Nosso Senhor Jesus Cristo nos mandou ensinar “todas as gentes”. E, sem sombra de dúvida o Papa Pio XI nos deixou um dos documentos mais importantes na história da Igreja sobre esse tema. A Encíclica de Pio XI sobre a educação é certamente a Magna Carta da Educação Católica.
Peter Kwasniewski, OnePeterFive | Tradução: Equipe Instituto Newman
A Magna Carta
Quando o Papa Pio XI promulgou a sua encíclica “Divini Illius Magistri” em 31 de dezembro de 1929, ela se tornou o documento papal mais importante, até então, sobre a educação cristã da juventude — uma distinção que ela mantém até os dias de hoje. Seus contemporâneos chamaram a encíclica de “Magna Carta” do seu campo, admirados com sua profundidade, perspicácia e clareza.
E todos aqueles que estão sinceramente preocupados com a educação da juventude, diz Pio XI, percebem que a felicidade humana não se alcança automaticamente com a abundância de bens materiais ou pelo mero desfrute deles; é necessária a formação do caráter, voltada a metas duradouras além do presente passageiro. Talvez o lema da encíclica seja a citação do Papa das famosas palavras de abertura das Confissões de Santo Agostinho, “Fizeste-nos, Senhor, para Vós, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em Vós” (I 1, 1). O mundo moderno é como um experimento prolongado em cultivar essa inquietude e direcioná-la para o maior número possível de criaturas, sem conexão com o seu Criador, e com resultados previsíveis.
A educação católica
Todas as teorias educacionais, congressos, reformas, programas e orçamentos serão infrutíferos até que reconheçam essa verdade fundamental sobre a natureza do homem, moldado à imagem divina, afundado na miséria e restaurado à graça por Jesus Cristo. Uma vez que uma boa educação forma a pessoa integralmente em referência a coisas que verdadeiramente o satisfarão, culminando na visão de Deus, “não pode dar-se educação adequada e perfeita senão a cristã” (Divini Illius Magistri, 3), tendo como objetivo “cooperar com a graça divina na formação do verdadeiro e perfeito cristão, isto é, formar o mesmo Cristo nos regenerados pelo Baptismo,” (Divini Illius Magistri, 62).
Portanto, a educação cristã preocupa-se não apenas com o conteúdo que é transmitido, mas também com o método que é empregado, com os meios sobrenaturais utilizados para assistência e com a intenção por trás da atividade (cf. 62 e ss). O educador cristão devoto imita Cristo, que amava as crianças com um afeto especial e desejava conduzi-las com segurança ao seu reino (cf. 1, 5, 55).
Quem tem o dever de educar?
Pio XI divide sua intervenção em questões específicas:
“a quem compete tem a missão de educar [6–39]; qual o sujeito da educação [40–44]; quais as circunstâncias necessárias do ambiente [45–61]; e qual o fim e a forma própria da educação cristã, segundo a ordem estabelecida por Deus na economia da Sua Providência [62–69]” (Divini Illius Magistri, 6).
O ensino cristalino do documento sobre a relação entre a família, a sociedade civil e a Igreja é especialmente valioso, ilustrando concretamente a harmonia entre natureza e graça, razão e fé, conforme definido solenemente no Concílio Vaticano I (6 e ss; 33 e ss). A pessoa individual nasce em uma família e em uma sociedade civil, e pelo batismo ela nasce na Igreja. Cada uma dessas sociedades é sucessivamente mais nobre do que a anterior, pois busca um bem comum maior.
No entanto, de forma alguma o maior contradiz a natureza do menor ou frustra seus direitos (cf. 31 e ss). A Igreja não tira da sociedade civil nada que lhe pertença legitimamente, mas a defende e fortalece (cf. 66–67). Da mesma forma, a sociedade civil não usurpa nada que pertença à família, mas sustenta seus esforços (cf. 46). Que um tipo de sociedade entre em conflito com outra pode surgir apenas de um abuso de direitos, de uma transgressão de autoridade — quando, por exemplo, o Estado reivindica poderes sobre a pessoa, sobre a família ou sobre a Igreja que ele não possui e de fato não pode possuir.
As Preocupações de Pio XI
Duas verdades da ordem social ocupam a atenção do Papa acima de tudo. Primeiro, a encíclica afirma e defende ao longo de todo o texto o direito fundamental e inviolável dos pais de educar seus próprios filhos (19 e ss) e o da Igreja de educar toda a humanidade, especialmente aqueles que já são seus filhos pela graça (6 e ss). Esse direito pertence naturalmente aos pais e sobrenaturalmente à Igreja, e só pode ser concedido ao Estado ou aos seus funcionários com autorização paterna ou eclesiástica. Políticas de educação pública obrigatória que desprezam a vontade dos pais ou prejudicam a família são contrárias à lei natural e constituem graves violações da justiça (32). O Estado deve apoiar financeiramente as escolas escolhidas pelos pais (50).
O Papa mostra-se preocupado com as violações dos direitos parentais tão características do liberalismo em suas diversas formas. Tem-se os exemplos dos regimes maçônicos e anticlericais descendentes da revolução francesa, bem como o regime do comunismo ateu na Rússia, que endossam em comum um controle totalitário explícito ou implícito do Estado sobre todos os aspectos da vida cívica, incluindo a formação das crianças (cf. 23 e ss). Um regime secular que insiste em uma formação estritamente “secular” das crianças está agindo de forma tirânica nesse sentido. Pelo contrário, o Estado deveria fazer tudo o que estiver ao seu alcance para apoiar os pais e a Igreja Católica em sua tarefa de educar a juventude (cf. 31; 35) Estados pluralistas de maneira alguma estão excluídos (cf. 50).
Não há educação sem religião
Isso leva o Papa a um segundo ponto importante: o destaque da encíclica na natureza invariavelmente religiosa de toda educação e ao dever do professor de inspirar uma moral sólida e piedade em seus alunos. Uma educação sem referência a verdades religiosas imutáveis e padrões morais é nada mais do que um treinamento na impiedade e na moralidade frouxa, alimentando as propensões da natureza caída (cf. 15; 39 e ss). Uma educação puramente secular ou neutra é impossível em princípio, e um educador que “deixa de lado” as questões fundamentais está, na realidade, habituando seus alunos a pensar e viver como se as questões de verdade e falsidade, bem e mal, não importassem, não tivessem significado ou não pudessem ser resolvidas (cf. 47). Tal educação é, de fato, uma deformação; o aluno acaba pior do que se nunca tivesse sido educado.
Os pais católicos e seus pastores têm, portanto, a obrigação solene de garantir que as crianças recebam uma formação sólida na fé e na moral, seja em casa, na sala de aula ou na paróquia (cf. 22, 45-46). [Diga-se de passagem que] é possível saber a idade de uma encíclica pela confiança com que ela recomenda a educação paroquial. Além disso, um pequeno suplemento de instrução católica — uma aula semanal de Catequese onde as crianças [apenas] leem histórias e colam macarrão e feijão em papel colorido — é insuficiente; em uma escola digna de educar as almas compradas pelo Precioso Sangue de Cristo.
A solução
É indispensável que todo o ensino e toda a organização da escola: mestres, programas, livros, em todas as disciplinas, orientem-se pelo espírito cristão, sob a direção e vigilância maternal da Igreja católica, de modo que a Religião seja verdadeiramente fundamento e coroa de toda a instrução (Divini Illius Magistri, 49).
A leitura da Encíclica “Divini Illius Magistri” torna-se preocupante nos dias de hoje, quando muitas das inquietações do Papa (por exemplo, que a tecnologia da mídia de massa iria corromper a juventude, (cf. 57–61) confirmaram-se de maneira extrema, e quando os fiéis católicos parecem estar menos cientes do que nunca das raízes mais profundas do problema. Ao mesmo tempo, ao mostrar com confiança o caminho para uma renovação educacional autêntica, “Divini Illius Magistri” é um documento mais atual do que nunca para o exército de educadores domiciliares, bem como para um número crescente e felizmente maior de escolas privadas e independentes autenticamente católicas. Que seus esforços floresçam pela graça de Jesus Cristo, o Supremo Educador.
Referências
- Nota do tradutor: O texto original faz referências à versão inglesa da Carta Encíclica Divini Illius Magistri, entretanto, a fim de facilitar a consulta, alteraram-se as citações para a versão em Português, disponível no site do Vaticano.
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