Mergulhe nas ideias do Cardeal Newman, um dos mais proeminentes pensadores do século XIX, e sua crítica ao liberalismo. As reflexões de Newman permanecem relevantes no cenário político e cultural atual, oferecendo insights valiosos sobre a luta pela verdade objetiva e a necessidade de líderes virtuosos. Acompanhe nesta jornada intelectual que destaca a importância da unidade e da ação consciente em tempos desafiadores, evidenciando como as lições de Newman podem iluminar o caminho para um conservadorismo eficaz hoje.
Frank De Vito, Crisis Magazine | Tradução: Equipe Instituto Newman
Heróis intelectuais
O movimento conservador está sempre em busca de heróis intelectuais do passado, aqueles a quem podemos apontar como exemplos a serem seguidos. Os conservadores políticos variam em sua escolha de campeões; Platão e Aristóteles, Agostinho e Aquino, Burke e Hamilton atraem diferentes conservadores como pensadores que oferecem um modelo para a política da época.
Embora a insanidade do woke da última década pareça ser uma ameaça nova e inédita, a situação atual não é mais do que a continuação consistente do liberalismo. Como não consigo pensar em nenhum guerreiro moderno maior contra o liberalismo, tanto no pensamento quanto na ação prática, do que o grande santo Cardeal Newman, ofereço-o como exemplo para se juntar às grandes fileiras que compõem o cânone dos heróis conservadores de hoje.
Newman e sua luta contra o liberalismo
Perto do fim de sua vida, quando foi nomeado cardeal, Newman fez seu famoso discurso biglietto, declarando-se um guerreiro vitalício contra o liberalismo: “E, com alegria, digo que me opus a um grande mal desde o início. Por trinta, quarenta, cinquenta anos, resisti ao máximo ao espírito do liberalismo na religião”. Newman foi antiliberal na maior parte de sua vida adulta, se não em toda ela.
Mesmo antes de sua conversão ao catolicismo, antes de começar a se envolver nas grandes controvérsias intelectuais dentro da Igreja da Inglaterra, Newman estava ciente da crescente ameaça do liberalismo. Nascido em 1801, Newman viu a questão do liberalismo crescer dentro da religião e da sociedade na década de 1830, bem antes dos levantes culturais liberais das décadas de 1920 e 1960. Os conservadores devem prestar muita atenção ao pensamento e à obra de Newman.
Definição de liberalismo segundo Newman
O discurso do biglietto de Newman dá uma definição clara e nítida do liberalismo:
O liberalismo na religião é a doutrina de que não há verdade positiva na religião, mas que um credo é tão bom quanto outro, e esse é o ensinamento que está ganhando substância e força diariamente. É inconsistente com qualquer reconhecimento de qualquer religião como verdadeira. Ele ensina que todas devem ser toleradas, pois todas são questões de opinião. A religião revelada não é uma verdade, mas um sentimento e um gosto; não é um fato objetivo, nem milagroso; e é direito de cada indivíduo fazer com que ela diga exatamente o que lhe agrada.
Embora Newman esteja falando aqui do liberalismo na religião, há muito a ser extraído dessa citação sobre as raízes e os problemas do liberalismo moderno em geral.
A negação da verdade objetiva pelo liberalismo
Newman entendeu que o erro fatal do liberalismo é a negação da verdade objetiva. Sob essa visão de mundo, tudo é uma questão de opinião, de sentimento, de gosto. Em um ambiente intelectual onde o liberalismo reina, os conservadores perderão. A verdade do conservadorismo se baseia, bem, na verdade.
As doutrinas conservadoras sobre a dignidade do indivíduo, a importância da família, a manutenção da tradição e da ordem para o florescimento da sociedade dependem de afirmações objetivas da verdade sobre o que é a pessoa humana, como ela é feita e o que é necessário para que ela floresça.
O relativismo do liberalismo e a batalha conservadora
O liberalismo, como Newman o entende, afirma que não há nada intrinsecamente verdadeiro sobre a pessoa humana. Em uma atmosfera em que esse relativismo é aceito, as afirmações conservadoras não podem ser levadas a sério como algo além de opiniões em um mar de outras opiniões igualmente aceitáveis (e, em última análise, igualmente sem sentido).
Assim, o liberalismo deve ser combatido porque seu triunfo leva à incapacidade de falar sobre o que é verdadeiro. Se nada é verdadeiro, tudo deve ser tolerado – exceto aquilo que faz afirmações objetivas de verdade que excluem a tolerância de ideias falsas. O conservadorismo não pode vencer em um ambiente liberal e, portanto, os conservadores não podem, em última instância, fazer as pazes com o liberalismo. Ele deve ser derrotado.
A estratégia de Newman na guerra contra o liberalismo
Como, então, os conservadores podem ir além de apresentar argumentos no “mercado de ideias” liberal e travar uma guerra bem-sucedida contra o próprio liberalismo? A vida e o trabalho de Newman servem como um exemplo prático útil. Newman viu o liberalismo criar raízes institucionais na igreja e sabia que era hora de revidar. Em sua Apologia Pro Vita Sua, ele oferece vários insights sobre a maneira correta de se engajar na batalha.
Primeiro, ele observa que “os movimentos vivos não surgem de comitês, nem as grandes ideias são desenvolvidas por meio do correio… As universidades são os centros naturais dos movimentos intelectuais”. Isso não é uma rejeição do prático em favor do intelectual.
A importância da unidade em um movimento conservador
Os comitês certamente podem ser úteis para tratar de um problema específico; o jornalismo de jornal pode influenciar a opinião pública em assuntos importantes. Mas o argumento de Newman é que um “movimento vivo”, um movimento que pode de fato transformar corações e virar a maré contra a expansão do liberalismo, deve ser mais profundo. Ele deve ser formado organicamente, em um ambiente de indivíduos que pensam da mesma forma e que vivem juntos em comunidade.
Embora sempre haja diversidade de pensamento e opinião em qualquer grupo, deve haver uma certa unidade essencial para que um movimento seja bem-sucedido: “uma história comum, memórias comuns, uma relação de mente com mente no passado e um progresso e aumento dessa relação no presente”.
O sucesso de um movimento centralizado em princípios comuns
Em suma, um movimento bem-sucedido requer unidade nos primeiros princípios. O movimento antiliberal dos Tractarianos exigia um grupo central de líderes unidos em sua compreensão da história, da natureza e do propósito da igreja, etc., a fim de criar um movimento eficaz que pudesse combater o liberalismo na igreja.
Os homens dentro de um movimento certamente podem ter diferenças de opinião, mas devem ter princípios fundamentais em comum para garantir que estejam falando e promovendo a mesma coisa.
A diversidade no conservadorismo americano
O movimento conservador atual deveria levar essa lição a sério. Há muito tempo, o conservadorismo americano tem sido uma grande tenda, povoada por libertários, tradicionalistas, paleocons, neocons e outros. Embora haja muito a ganhar com a diversidade de opiniões e com o discurso que se segue a ela, vale a pena questionar quanta diversidade pode ser tolerada antes que o movimento conservador perca a capacidade de ser um movimento coerente.
É claro que os conservadores podem discordar sobre a política tributária ou sobre o escopo adequado das agências reguladoras. Mas quando as facções dentro do movimento conservador discordam sobre os princípios básicos — como, por exemplo, se a fundação americana foi boa, se o governo pode ser bom, qual é o fim adequado da pessoa humana, para que serve o governo – vale a pena considerar se isso se tornou grande e diversificado demais para ser um “movimento vivo” bem-sucedido.
O exemplo de Newman na universidade e na comunidade
Newman entendeu que alguns grandes intelectuais, unidos em sua história compartilhada e em seu trabalho dentro de uma universidade, têm a capacidade de gerar um poderoso movimento cultural. O próprio trabalho de Newman mostra o sucesso que esse pequeno pelotão pode ter: alguns homens unidos em pensamento e objetivo, vivendo, falando e ensinando juntos, foram capazes de gerar um movimento que mobilizou grandes segmentos da Igreja da Inglaterra contra o liberalismo (e gerou muitos católicos convertidos no processo).
O que Newman nos diz sobre as qualidades práticas e as táticas necessárias para vencer uma guerra contra o liberalismo? Alguns de seus comentários sobre suas próprias táticas, bem como sobre as daqueles com quem trabalhou, oferecem percepções valiosas sobre os traços pessoais, hábitos e estratégias necessários para o sucesso.
Desafios para os líderes estabelecidos no conservadorismo
Newman começa suas reflexões sobre o grupo central que se tornou os Tractarians com um ponto memorável: alguns dos primeiros líderes do movimento foram, de certa forma, prejudicados por seu status. Newman comenta especialmente sobre Hugh Rose, um dos líderes mais antigos e estabelecidos, que possuía “uma posição na Igreja, um nome e sérias responsabilidades; ele tinha superiores eclesiásticos diretos; tinha relações íntimas com sua própria universidade e uma grande conexão clerical em todo o país”.
O jovem Newman e seu amigo Hurrell Froude, por outro lado, “não eram ninguém; não tinham caráter a perder, nem antecedentes que nos prendessem”.
O papel da influência pessoal na guerra contra o liberalismo
Essa observação sobre política e realidades humanas é impressionante em sua relevância. O Sr. Rose era um grande intelectual no círculo de Newman, mas sua capacidade de fazer o que precisava ser feito era aparentemente limitada. Quando alguém construiu uma reputação, criou uma rede profunda e influente e alcançou uma posição elevada em uma hierarquia, é difícil dizer e fazer o que precisa ser dito e feito para cumprir uma missão radical. Vemos isso na cultura moderna do cancelamento.
Fale contra o regime atual e você poderá perder sua rede de contatos, seu cargo de professor, sua promoção e seus amigos. Embora Newman, o promissor clérigo e acadêmico de Oxford, estivesse exagerando ao se considerar um “zé-ninguém” naquela época, a percepção é fundamental: quando não se construiu uma reputação e uma posição social à qual se está ligado, é muito mais fácil travar uma guerra contra o establishment que tem a capacidade de tirar essa posição.
A importância da interação entre intelectuais e ativistas
Newman revela outro ponto tático ao falar de outra figura inicial do movimento. Ele lamenta que talvez o homem mais instruído do grupo não tivesse:
Qualquer percepção da força da influência pessoal e da congenialidade de pensamento na execução de uma teoria religiosa, uma condição que Froude e eu considerávamos essencial para qualquer sucesso verdadeiro na luta contra o liberalismo.
Newman oferece aqui um conselho necessário: um movimento político bem-sucedido deve preencher a lacuna entre o acadêmico e o populista, entre o intelectual e o homem das trincheiras. Embora os intelectuais lamentem, com razão, a falta de profundidade filosófica e de princípios entre os líderes governamentais, também é verdade que os intelectuais devem se lembrar da necessidade de usar a “influência pessoal e a congenialidade de pensamento”.
A narrativa como ferramenta de persuasão
Ativistas modernos, como Chris Rufo, estão corretos ao afirmar que não basta apenas acertar o argumento; os conservadores precisam dominar a arte de elaborar uma narrativa e contar uma história convincente se quiserem conquistar o coração e a mente do público e promover mudanças efetivas. Newman, ele próprio um homem brilhante e acadêmico, sabia que um movimento eficaz precisa de pensadores, escritores e oradores que possam usar não apenas argumentos sólidos, mas também o toque pessoal e a simpatia no discurso para conquistar outras pessoas para a verdade.
A conexão entre liberalismo religioso e político
Newman tem muito mais a dizer sobre os perigos do liberalismo e as maneiras pelas quais ele pode ser combatido. Talvez seja melhor parar por aqui e encerrar com duas considerações finais. Primeiro, a vida e a época de Newman servem como um lembrete sobre a relação entre o liberalismo na igreja e o liberalismo na política e na cultura. O liberalismo na religião é essencialmente a negação da verdade objetiva.
A partir disso, tudo, da religião à política e à educação, cai em uma batalha de poder divorciada da verdade, em que todos têm opiniões igualmente sem sentido e o único objetivo é impor a opinião sem sentido de seu lado àqueles que têm opiniões sem sentido opostas. Para chegar ao cerne de uma restauração conservadora da cultura, a batalha pela verdade objetiva é a principal preocupação.
A conexão entre liberalismo religioso e político
Em segundo lugar, Newman nos lembra que, quando estamos procurando exemplos de liderança nestes tempos difíceis, é uma grande bênção encontrar alguém que não seja apenas um grande e bem-sucedido estrategista, mas também um santo. Com Newman, aprendemos não apenas a arte de travar uma batalha cultural bem-sucedida; ganhamos as percepções de um homem que valorizava a honestidade, a integridade, a virtude e a santidade acima do sucesso mundano na luta. Os conservadores precisam equilibrar o pragmatismo maquiavélico com o lembrete de que precisamos de líderes virtuosos que não se desviarão de seus deveres morais para vencer uma disputa política. O estadista precisa dos exemplos não apenas de grandes príncipes e grandes acadêmicos, mas também de grandes santos.
Newman como um modelo de ação e reflexão
Em Newman, encontramos o exemplo de um homem santo, um intelecto brilhante e um estrategista astuto. Ele dá um exemplo necessário de formação de um movimento baseado na unidade dos primeiros princípios, na vontade de vencer, em táticas eficazes, na coragem diante da reação pública e na santidade. À medida que os conservadores buscam modelos eficazes na luta contra o liberalismo, fariam bem em ler Newman e levá-lo a sério como um homem para os nossos tempos.
O Autor
Frank DeVito é um advogado que atualmente trabalha como conselheiro no Napa Legal Institute. Seu trabalho já foi publicado em diversas publicações, incluindo The American Conservative, The Federalist, First Things e Public Discourse. Ele mora no leste da Pensilvânia com sua esposa e filhos. As opiniões expressas em seus artigos são de responsabilidade do autor e não necessariamente de seu empregador.