As Mulheres de Shakespeare

Neste artigo, exploramos “As Mulheres de Shakespeare” sob uma nova perspectiva, analisando como o Bardo retratou a complexidade feminina em suas peças. Este é o primeiro de dois artigos, focando em duas das três categorias principais em que essas mulheres se enquadram: as fracas e as perversas. Na próxima parte, mergulharemos na última categoria, revelando o lado mais luminoso e santo da feminilidade na obra de Shakespeare. 


Joseph Pearce, The Imaginative Conservative | Tradução: Equipe Instituto Newman


As acusações contra Shakespeare

O preconceito contra Shakespeare é tão popular no terceiro milênio quanto o preconceito racial era no Terceiro Reich. É quase um requisito para se obter uma boa colocação na academia e uma necessidade se alguém quiser fazer parte do elenco de uma das produções iconoclastas (pós)modernas de suas peças.

Shakespeare já foi acusado de tudo que se possa imaginar. Racismo, antissemitismo, imperialismo, fascismo, “insensibilidade de gênero”, e, é claro, sexismo. Não podemos nos esquecer do sexismo. Além de todas as outras acusações que recaíram sobre a infeliz cabeça do Bardo, há sempre a acusação de misoginia. Ele tem uma atitude machista em relação às mulheres.

A Representação das Mulheres

Assim como as outras acusações mencionadas contra ele, a alegação de que Shakespeare tinha algum tipo de preconceito contra as mulheres é francamente absurda. E, uma rápida olhada no retrato que o Bardo fez da metade feminina da espécie é suficiente para limpar seu nome.

Em termos gerais, as mulheres de Shakespeare se enquadram em três categorias. Há as fracas, as perversas e as santas. Começaremos com as fracas.

As Mulheres Fracas: Julieta, Ofélia e Desdêmona

Julieta tem a fraqueza de uma criança que não está preparada para as paixões e tentações do mundo adulto. Além disso, para piorar a situação e, em última análise, torná-la desastrosa, ela está desprotegida dessas paixões e tentações devido à negligência e ao abuso dos pais. Shakespeare acentua sua inocência e vulnerabilidade fazendo com que ela tenha apenas treze anos de idade, uma mera criança, a mesma idade de sua própria filha Susanna na época em que ele estava escrevendo a peça.

A fraqueza de Ofélia é evidente em sua disposição de agir contra sua consciência, servindo como a isca que seu pai usa para prender Hamlet, seu amado. Ela se torna um peão relutante nas maquinações maquiavélicas de seu pai, traindo o homem que ama a mando de seu perverso pai. Fica claro que Hamlet está ciente desse fato, o que explica sua raiva. O fato de ela fingir estar lendo piedosamente um livro de orações quando Hamlet chega, por sugestão cínica de seu pai, só piora uma situação já complicada. 

O Destino Trágico de Ofélia e Desdêmona

Ao perceber seu papel nos esquemas do pai de Ofélia, Hamlet reage com raiva: “Vá para um convento!” Sua única esperança é escapar da perversidade mundana da corte do Rei Cláudio e dos esquemas de seu pai em nome do rei. Nesse caso, a combinação de seu afastamento de Hamlet, juntamente com o assassinato de seu pai por Hamlet, faz com que ela perca a cabeça e caia na loucura que a leva à morte. A fraqueza de sua vontade é, portanto, manifestada na subsequente fraqueza de sua mente.

A tragédia que envolve as mortes de Julieta e Ofélia está ligada à negligência insensível de seus respectivos pais. No caso de Desdêmona, entretanto, o oposto é verdadeiro. Ela abandona seu pai amoroso para buscar um casamento imprudente com o ciumento e abusivo Otelo. A fraqueza dela se manifesta em sua disposição de acreditar nas histórias de Otelo sobre seu heroísmo em terras estrangeiras, sendo arrebatada por sua ostensiva demonstração de galanteria, e é acentuada por seu flerte com o belo herói. “Esses prazeres violentos têm fins violentos”, diz Frei Laurence em Romeu e Julieta. Assim como acontece com os “amantes traídos pela estrela” naquela outra peça, Ofélia é imprudente demais para ouvir a voz da temperança ou as palavras de advertência da prudência.

As Mulheres Perversas: Lady Macbeth e as Filhas de Lear

Se as figuras trágicas de Julieta, Ofélia e Desdêmona parecem provar a verdade da afirmação de Hamlet de que “fragilidade, teu nome é mulher”, outras mulheres nas peças de Shakespeare mostram uma força mortal e avassaladora, são a consolidação da femme formidable se tornando a femme fatale.

Talvez a mais famosa ou infame das mulheres perversas de Shakespeare seja a indomável Lady Macbeth. Ela é tão perversa que quase serve como um diabo feminino. Assim como se pode dizer que o demônio é o anticristo, Lady Macbeth é a antivirgem. Em nenhum outro lugar isso é mais evidente do que em sua afirmação vangloriosa de que esmagaria os cérebros de seus próprios filhos que estão amamentando para perseguir seu ambicioso desejo de poder. A aplicabilidade dessa afirmação em nossos tempos deploráveis é muito evidente. O empoderamento e o aborto andam de mãos dadas.

A Crueldade Autodestrutiva de Lady Macbeth e das Filhas de Lear

Embora a presença dominadora de Lady Macbeth supere as reservas do marido com relação ao esquema de assassinato, ela acaba se mostrando mais fraca. Assim, ela é menos perversa do que o marido, no sentido de que não consegue banir totalmente a fraca voz da consciência. No final, é essa presença incômoda e irritante que a leva à loucura.

Duas das três filhas do Rei Lear, Regan e Goneril, rivalizam com Lady Macbeth no que diz respeito à extrema maldade que estão dispostas a praticar em busca de empoderamento próprio. Assim como Lady Macbeth, elas descobrem, tarde demais, que a busca maníaca de poder é autodestrutiva.

Cleópatra: A Femme Fatale Definitiva

E ainda há Cleópatra, a mulher fatal definitiva, não apenas no palco de Shakespeare, mas no outro palco que é o drama da história humana. Marco Antônio e Cleópatra seguem exatamente o mesmo caminho autodestrutivo que outros casais separados pelo destino, como Romeu e Julieta. Entretanto, são muito piores pois eles não têm a desculpa da ingenuidade e da loucura juvenil que muitas vezes é sua consequência. Marco Antônio e Cleópatra não têm essa desculpa. Ambos são bem experientes na vida e no “amor”, mas não permitem que sua experiência tempere sua imprudência. Eles sabem que o desejo que sentem um pelo outro fará com que o inferno se instaure, mas ficam felizes em deixar que tudo, inclusive eles mesmos, vá para o inferno.

A Fraqueza da Crueldade

Da mesma forma que Lady Macbeth esmaga os cérebros das crianças que mamavam em seu peito, Cleópatra pega a serpente e a coloca em seu peito. “Paz, paz!”, exclama ela no momento do autoflagelo. “Você não vê o meu bebê no meu peito, que suga a ama adormecida?”

Shakespeare nos mostra em sua descrição dessas mulheres perversas que a crueldade é a maior fraqueza de todas. Seu beijo é uma maldição, que é tão mortal quanto o veneno que passa dos lábios de Romeu para Julieta em seu primeiro encontro fatal; ou tão mortal quanto o beijo da serpente no peito desesperado de Cleópatra.

A Plenitude da Feminilidade 

No entanto, em última análise, Shakespeare não está nos mostrando a plenitude da feminilidade em sua representação dessas sete pecadoras mortais, Julieta, Ofélia, Desdêmona, Lady Macbeth, Regan, Goneril e Cleópatra. Ele não está nos mostrando nem a metade disso; ou, se está nos mostrando a metade, não está nos mostrando a melhor metade. Se olharmos para além da sarjeta, para as estrelas e para o céu além das estrelas, veremos o que Shakespeare vê. Veremos além do lado sombrio da feminilidade e seu glorioso chamado à santidade. 


O Autor

Joseph Pearce é professor visitante de literatura na Ave Maria University e membro visitante da Thomas More College of Liberal Arts (Merrimack, New Hampshire). Autor de mais de trinta livros, ele é editor da St. Austin Review, editor da série Ignatius Critical Editions, instrutor sênior da Homeschool Connections e colaborador sênior da Imaginative Conservative e da Crisis Magazine. Seu site pessoal é http://www.jpearce.co.

 

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