Publicado originalmente em 1843, Um Conto de Natal de Charles Dickens se mantém até hoje uma das mais poderosas reflexões sobre o verdadeiro significado do Natal. Ao contar a história do avarento Ebenezer Scrooge, o autor nos leva a uma jornada de transformação espiritual, revelando, por meio de fantasmas e lições de vida, as virtudes que transcendem o tempo. Ao longo das páginas, os leitores encontram uma profunda crítica ao egoísmo e uma exaltação à caridade e ao amor ao próximo, em especial os mais humildes. O conto não é apenas uma história de Natal, mas uma meditação sobre os valores eternos que podem, se aplicados, transformar nossas próprias vidas.
Joseph Pearce, Crisis Magazine | Tradução: Equipe Instituto Newman
Um Conto de Natal: Um Clássico Atemporal
Publicado originalmente em 1843, o conto de fantasmas de Dickens, A Christmas Carol (Um Conto de Natal), é uma das obras mais populares da literatura já escritas. Seu protagonista mesquinho, Ebenezer Scrooge, destaca-se no imaginário de Dickens como um ícone de advertência do mundanismo avarento, mas também como um farol de esperança e redenção, tão poderoso parabolicamente quanto o Filho Pródigo, do qual ele é um tipo.
A história começa com o fato concreto e frio de que Jacob Marley está “tão morto quanto um prego de porta”:
Não há dúvida de que Marley estava morto. Isso deve ser claramente entendido, ou nada de maravilhoso poderá resultar da história que vou contar. Se não estivéssemos perfeitamente convencidos de que o pai de Hamlet morreu antes do início da peça, não haveria nada mais notável no fato de ele dar um passeio à noite, com vento leste, em suas próprias muralhas, do que haveria em qualquer outro cavalheiro de meia-idade que saísse às pressas depois do anoitecer em um local arejado… literalmente para surpreender a mente fraca de seu filho.
A conexão com Hamlet logo no início da novela tem um significado profundo que o tom caprichoso não deve obscurecer. Na peça de Shakespeare, assim como na história de Dickens, os fantasmas servem para introduzir não apenas uma dimensão sobrenatural na obra, mas uma percepção sobrenatural da realidade.
Os fantasmas revelam o que está oculto aos olhos mortais. Eles veem mais. Eles servem como mensageiros sobrenaturais que revelam crimes que, de outra forma, permaneceriam ocultos. Sua intervenção é necessária para que a realidade seja vista e compreendida e para que a justiça seja feita. Assim, ao conectar o fantasma de Jacob Marley ao fantasma do pai de Hamlet, Dickens está indicando o papel e o propósito dos fantasmas que ele apresentará a Scrooge e a nós. Eles nos mostrarão não apenas Scrooge, mas também a nós mesmos, de uma forma que tem o poder de nos surpreender e nos abrir para as realidades espirituais que estamos propensos a esquecer.
Entretanto, não são apenas os fantasmas que nos ensinam lições oportunas e atemporais, mas também nossos vizinhos mortais. Afinal de contas, vale a pena lembrar que os primeiros visitantes que Scrooge recebe não são fantasmas, mas homens. Seu sobrinho fala muito sobre o que pode ser chamado de magia ou milagre do Natal:
Sempre pensei na época do Natal, quando ela chega – além da veneração devida ao seu nome e origem sagrados, se é que alguma coisa pertencente a ela pode ser separada disso -, como uma época boa; uma época gentil, indulgente, caridosa e agradável; a única época que conheço, no longo calendário do ano, em que homens e mulheres parecem, de comum acordo, abrir livremente seus corações fechados e pensar nas pessoas abaixo deles como se fossem realmente companheiros de viagem para o túmulo, e não outra raça de criaturas que seguem outras jornadas….
A Verdadeira Celebração do Natal
Não há necessidade de lembrar o sobrinho de Scrooge da necessidade de lembrar-se de Cristo no Natal! Ele sabe que a palavra Christmas (Christ = Cristo; mass = missa) é venerada devido ao seu nome sagrado, Missa de Cristo, e por causa de sua origem sagrada no nascimento do Salvador.
Como algo associado ao Natal pode ser separado de sua fonte e propósito sagrados? O próprio pensamento, conforme expresso na reflexão posterior do sobrinho, é claramente absurdo. Scrooge, ironicamente, não discorda. Ele não tem a intenção de celebrar a festa ignorando seu nome e origem sagrados, como faz a maioria das pessoas em nossos tempos hedonistas. Ele não quer celebrá-la de forma alguma. Depois de reclamar que o sobrinho deveria deixá-lo celebrar o Natal à sua maneira, o sobrinho o lembra de que ele não o celebra de forma alguma. “Deixe-me deixá-lo em paz, então”, responde Scrooge.
A outra faceta da defesa do Natal feita pelo sobrinho, que não deve passar despercebida nem ser ignorada, é o lembrete que ele faz ao tio de que os pobres e os indigentes são “companheiros de viagem para o túmulo, e não outra raça de criaturas que seguem outras jornadas”. Isso não é apenas um memento mori, que, para o cristão, deve ser sempre um lembrete das Quatro Últimas Coisas (os novíssimos) — morte, julgamento, Céu e Inferno — mas é um lembrete de que não somos homo sapiens, presunçosos na presunção de nossa esperteza, mas homo viator, criaturas ou “passageiros” na jornada da vida, cujo único propósito é chegar ao Céu.
Além disso, nossos companheiros de viagem, santificados por terem sido feitos à imagem de Deus, são nossos iguais místicos, independentemente de seu status social ou econômico, a quem somos ordenados a amar. Eles não são “outra raça de criaturas em outras jornadas”, mas são nossos parentes e afins na mesma jornada da vida que nós.
A verdade inescapável, inextricavelmente ligada ao grande mandamento de Cristo de que amemos o Senhor nosso Deus e amemos o próximo, é que não podemos chegar ao destino que é o próprio propósito da jornada da vida sem ajudar nossos companheiros de viagem a chegar lá conosco. A lição que Um Conto de Natal ensina é que nossa vida não nos pertence, mas é devida a outra pessoa, a quem a dívida deve ser paga com a moeda do auto-sacrifício, que é o meio de troca do amor.
Um Conto de Natal é, portanto, como seria de se esperar de uma meditação sobre o espírito do Natal, uma obra literária que opera de forma mais profunda no nível da teologia. Isso é visto mais claramente nos papéis desempenhados pelos vários fantasmas.
O fantasma de Marley, como o fantasma do pai de Hamlet, é aparentemente uma alma no purgatório e não um dos condenados. Isso fica claro em seu espírito penitente e declaradamente cristão e em seu desejo de salvar Scrooge de seguir seus passos carregados de insensatez.
Quando Scrooge procura consolá-lo com o lembrete de que ele sempre foi “um bom homem de negócios”, o fantasma de Marley torce as mãos em agitação consciente. “Negócios!”, ele grita. “A humanidade era o meu negócio. O bem-estar comum era o meu negócio; caridade, misericórdia, tolerância e benevolência eram todos meus negócios. As transações de meu comércio eram apenas uma gota d’água no oceano abrangente de meus negócios!”
Se o fantasma de Marley é o espírito de um homem mortal, sofrendo penitencial e purgatorialmente por seus pecados, os Fantasmas dos natais passados, presentes e futuros são melhor descritos como anjos. Eles são mensageiros divinos (angelos, em grego, significa “mensageiro”). Mais especificamente, eles podem ser vistos como os próprios anjos da guarda de Scrooge, como pode ser visto na descrição que o primeiro fantasma faz de si mesmo como sendo não o fantasma do longo passado, mas do próprio passado de Scrooge.
A Celebração da Vida e da Família
O último aspecto de Um Conto de Natal que merece ser mencionado, especialmente à luz de sua pertinência pungente aos nossos tempos de meretrício, é sua celebração da vida em geral e da vida de famílias grandes em particular. A família magnífica de Bob Cratchit, apesar de sua pobreza (ou ousamos dizer que é por causa dela), é o próprio lar de onde o calor da vida e do amor brilha nas páginas da história de Dickens. No coração desse lar está a vida abençoada da criança deficiente, Tiny Tim, que brilha no amor de Tiny Tim pelos outros e no amor que sua família tem por ele. Sua própria presença é a luz da caritas (caridade) que serve de catalisador para trazer Scrooge à razão. å
Depois de sua conversão, Scrooge não vê mais os pobres e os deficientes como uma população excedente que deve morrer, como acontece em nossos dias, em que eles são rotineiramente mortos ou abatidos no útero, mas como uma bênção que deve ser apreciada e louvada. Pois esse amor pela vida, até mesmo pela vida dos deficientes, especialmente pela vida dos deficientes, está no coração de todos que conhecem o verdadeiro espírito do Natal, exemplificado no desamparo do bebê de Belém. “E assim, como observou Tiny Tim, Deus nos abençoe, a todos!”
O Autor
Joseph Pearce é professor visitante de literatura na Ave Maria University e membro visitante da Thomas More College of Liberal Arts (Merrimack, New Hampshire). Autor de mais de trinta livros, ele é editor da St. Austin Review, editor da série Ignatius Critical Editions, instrutor sênior da Homeschool Connections e colaborador sênior da Imaginative Conservative e da Crisis Magazine.