Romeu e Julieta em poucas palavras

Em nosso último artigo da série em poucas palavras vimos como a peça O Mercador de Veneza de Shakespeare tem um herói, ou melhor, uma heroína bastante inusitada. Agora, no artigo “Romeu e Julieta em poucas palavras”,  Joseph Pearce nos mostra novamente que há, de fato, uma forma correta de se ler as obras do dramaturgo inglês. Ora, não devemos nos render às interpretações anacrônicas, ideológicas e preguiçosas que os professores e críticos modernos nos propõem. Em vez disso, precisamos buscar o entendimento da obra segundo a intenção de seu autor.      


Joseph Pearce, Crisis Magazine | Tradução: Equipe Instituto Newman


As duas Leituras da Peça 

Há duas maneiras de se ler Romeu e Julieta: uma delas é correta, no sentido de que é a maneira como Shakespeare pretendia que fosse lida e compreendida, e a outra é incorreta, no sentido de que viola e perverte as intenções de Shakespeare.

A maneira incorreta de ler a peça, que é a maneira como os críticos e professores modernos a leem e a ensinam, ela envolve o que se pode chamar de leitura romântica. Essa maneira de ver a peça entende o amor entre Romeu e Julieta como sendo irrepreensível e belo. Enquanto as famílias rivais, e especialmente os pais, são culpados pela tragédia. Por outro lado, a abordagem moral ou de advertência, que é a leitura correta da peça, identifica a causa da tragédia como o abandono da razão em face do amor erótico ou do ódio comunitário.

Logo no início da peça, Romeu prepara o cenário para sua própria abordagem iconoclasta da virtude, quando expressa desdém e desprezo pelo voto de castidade de Rosaline. Trata-se de uma prefiguração do mesmo desprezo pela castidade e virgindade que ele demonstrará no início da famosa cena da varanda. Além disso, ele descreve o amor como “loucura”, demonstrando sua escravidão e sua consagração da mera emoção. Dessa forma, ele exclui o entendimento cristão do amor como uma escolha racional de se sacrificar pelos outros.

A Caracterização de Julieta e a Imagem do Primeiro Beijo

Quanto a Julieta, Shakespeare a apresenta como sendo consideravelmente mais jovem do que é no poema original de Arthur Brooke [1] que inspirou a peça. Certamente, não é mera coincidência que Shakespeare apresente Julieta com apenas treze anos, a mesma idade de sua própria filha na época em que ele estava escrevendo a peça. Romeu, por outro lado, tem idade suficiente para derrotar o temível Teobaldo com sua habilidade de espadachim. Portanto, ele é consideravelmente mais velho do que Julieta, que é uma mera criança.

A imagem que Shakespeare emprega com relação ao primeiro beijo entre os amantes é a da troca de pecados. A mesma imagem reaparece com o beijo de Julieta nos lábios envenenados de Romeu, antes de ela se apunhalar fatalmente com o punhal dele. Esse  último ato é uma imagem da natureza mortal da união sexual deles. 

O Amor Doentio de Romeu

Já quanto à natureza do amor de Romeu por Julieta, ela é tão doentia quanto seu “amor” obsessivo e, em última análise, luxurioso por Rosaline. Ora, isso fica claro no prólogo do segundo ato, quando a voz objetiva e desapaixonada do Coro nos informa que Romeu é “amado e ama novamente, igualmente enfeitiçado pelo encanto da aparência”. Nada mudou. Ele “ama” da mesma forma. A mera beleza física enfeitiça-o eroticamente. Como, porventura, seus sentimentos por Julieta poderiam ser outros se ele nunca a viu ou falou com ela antes, e nem sequer sabe seu nome?

Após a “queda” emblemática de Julieta da sacada, seduzida por Romeu, que está simbolicamente entre as árvores frutíferas no jardim abaixo, os dois amantes enfeitiçados caem em um relacionamento idólatra no qual cada um deifica o outro, preferindo a escuridão compartilhada à luz do sol ou da lua. “Se o amor é cego, é melhor concordar com a noite”, diz Julieta. “O céu é aqui, onde vive Julieta”, diz Romeu. 

A Falta de Virtudes e Seus Efeitos

Durante toda a peça, a ausência palpável das virtudes cardeais da prudência e da temperança abre caminho para o desastre. A ausência de tais virtudes nos amantes é exacerbada por sua ausência em outros personagens cruciais que, por serem mais velhos, talvez sejam ainda mais culpados do que os principais protagonistas da peça. Como afirma Frei Lourenço, esses “prazeres violentos têm fins violentos”. 

Embora Frei Lourenço comece dando conselhos sagazes, ele deixa de praticar o que prega ao concordar precipitadamente em casar os amantes com pressa, na esperança ingênua de que o casamento traga paz entre as famílias rivais. Ele confessa sua insensatez e aceita qualquer punição devida. No entanto, o príncipe lhe diz, no final da peça, que “nós ainda o conhecíamos como um homem santo”, um julgamento se confirmou, em grande parte, por suas ações. 

Personagens que Falham

Contudo, não se pode dizer a mesmo sobre os outros personagens. Capuleto começa com um desejo aparente de proteger sua filha de um casamento prematuro, mas depois insiste em forçá-la a um casamento indesejado com Páris. Da mesma forma, a Ama de Julieta não a apoia, chegando a sugerir que sua jovem protegida prossiga com o casamento bígamo. 

Portanto, fica claro que Julieta é traída por aqueles que deveriam tê-la salvado de sua própria tolice imatura. Esse fracasso por parte dos personagens adultos serve como um contraponto moral às paixões traiçoeiras da juventude. É como se Shakespeare estivesse ilustrando que os jovens se desviarão tragicamente se não forem contidos pela sabedoria, pela virtude e pelo exemplo dos mais velhos.

A Triste Catarse

A tragédia final é que os Capuletos e Montecchios só aprendem essa lição após a morte de seus filhos. No entanto, eles aprendem a lição, e consequentemente instaura-se a paz, o que proporciona uma catarse triste, mas consoladora. Se é possível ou não considerar essa virada catártica um final feliz, permanece um ponto discutível. Entretanto, é um final que restaura não só a paz, mas a sanidade dos protagonistas sobreviventes. E isso certamente é uma fonte de alegria, mesmo que seja uma alegria tingida de tristeza.       

A Paz Final e a Providência Divina

Em última análise, a paz que reina no final de Romeu e Julieta é muito maior do que a paz mundana e meramente política que surge em Verona. É o conhecimento transmitido em meio à tragédia por Frei Lourenço de que “um poder maior do que podemos contradizer frustrou nossas intenções”. O poder maior da providência divina não é contradito. Sua harmonia e sua paz permanecem. Não se pode frustrá-lo pela imprudência das intenções e ações pecaminosas daqueles que desafiam e negam a lei moral. 

“Essa visão da morte é como um sino”, diz a senhora Capuleto, indicando que a morte em si é o toque da desgraça que faz com que as partes rivais caiam em si. “Todos são punidos” diz o Príncipe, reconhecendo o preço amargo do desrespeito pecaminoso à virtude. 


 

Referências
  1. N.T. Shakespeare baseou-se em duas obras para escrever a peça: A primeira é um conto italiano de 1562, traduzido como A Trágica História de Romeu e Julieta, de Arthur Brooke; a segunda é uma reedição do conto em prosa sob o nome de Palácio do Prazer que William Painter escreveu em 1582. 

 

O Autor

Joseph Pearce é professor visitante de literatura na Ave Maria University e membro visitante da Thomas More College of Liberal Arts (Merrimack, New Hampshire). Autor de mais de trinta livros, ele é editor da St. Austin Review, editor da série Ignatius Critical Editions, instrutor sênior da Homeschool Connections e colaborador sênior da Imaginative Conservative e da Crisis Magazine. Seu site pessoal é http://www.jpearce.co.

 

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